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A luta contra a violência doméstica no Brasil: um panorama histórico e atual, com reflexos da nova Lei 14.550/2023

Autor: Raphael Parseghian Pasqual

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Texto redigido em: 18/5/2023

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A violência doméstica no Brasil já ultrapassou a barreira de um problema social e não pode ser combatida apenas com instrumentos repreensivos, mas principalmente com medidas culturais, ressocializadoras, inclusivas, multidisciplinares e integrativas, exatamente como proposto pela nova Lei 14.550/2023, que altera a Lei Maria da Penhora principalmente para introduzir medidas protetivas de urgência visando não só reprimir, como também prevenir a violência doméstica.

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Isso porque, muito embora a Lei Maria da Penha seja um marco histórico na luta contra a violência doméstica e familiar sofrida pelas mulheres no Brasil, a sua promulgação aconteceu há mais de 10 anos atrás, em 07/08/2006, e diante da crescente dessa onda, ajustes eram necessários.

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Nesse sentido surgiu a Lei 14.550, que acabou de entrar em vigor (em 20/04/2023), trazendo importantes avanços sobre a proteção da mulher vítima de violência doméstica e buscando igualdade substantiva, alinhada ao viés interpretativo pro personae presente nas recentes decisões do Superior Tribunal de Justiça (STJ).

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De antemão, a principal alteração trazida pela Lei nº 14.550/23 é a desnecessidade da demonstração de motivação de gênero do agressor ou da vulnerabilidade da vítima no caso concreto para aplicar as medidas legais previstas – o que por muitas vezes inviabilizava, na prática, a aplicação a punição do agressor. É a principal alteração, pois numa sociedade patriarcal como a nossa, onde as relações de poder são baseadas no gênero, toda violência praticada contra a mulher, seja doméstica, familiar ou íntimo-afetivo, deve ser reconhecida como violência de gênero, independentemente de comprovação específica e deve ser justamente punida.

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Além disso, a Lei 14.550/23 também trouxe importantes alterações relacionadas às medidas protetivas de urgência, que são concedidas independentemente da tipificação penal da violência, do ajuizamento de ação penal ou cível, da existência de inquérito policial ou do registro de boletim de ocorrência.

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Com esse novo advento, foram incluídas mais 3 hipóteses para aplicar essas medidas protetivas de urgência, que agora podem ser concedidas em primeira e urgente análise (inclusão dos parágrafos 4º, 5º e 6º do art. 19 da Lei Maria da Penhora). Significa dizer que, a partir de qualquer indício ou perigo de risco/lesão da ofendida ou de seus dependentes vislumbrados no depoimento da ofendida perante a autoridade policial ou da representação de suas alegações por escrito, já poderá ser imediatamente concedida as medidas protetivas previstas Inclusive, tais medidas poderão ser concedidas independentemente da tipificação penal da violência, do ajuizamento de ação penal ou cível, da existência de inquérito policial ou do registro de boletim de ocorrência, conforme parágrafo 5º, do artigo 19 (nova redação trazida pela Lei 14.550/23).

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Ou seja, a Lei 14.550/23 demonstra avanços significativos na proteção das mulheres vítimas de violência doméstica e familiar com o atual contexto social, além de, ao mesmo tempo, se adequar ao recente posicionamento do STJ sobre o tema, bem como promovendo uma interpretação mais alinhada aos objetivos da Lei Maria da Penha.

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Outro ponto acertadamente inovado é o artigo 40-A, pois abrange a aplicação da Lei Maria da Penha e seus respectivos institutos protetivos com o fim de se garantir o protecionismo almejado e a proteção da própria dignidade da pessoa humana, fundamento este previsto na Constituição Federal.

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Ocorre, porém, que a violência doméstica não será remediada apenas com os ajustes e inovações legais. Como se trata de um problema social enraizado no nosso país, devem caminhar junto com os avanços legais medidas culturais, ressocializadoras, inclusivas, multidisciplinares e integrativas, como, por exemplo, conscientizar a sociedade por meio de campanhas, justamente para que o combate não fique restrito apenas à letra da Lei.

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A adoção de um olhar de gênero e a quebra de estereótipos são passos fundamentais para garantir que a palavra das vítimas seja devidamente valorizada. Além disso, é crucial investir na prevenção e na educação, promovendo a igualdade de gênero e a desconstrução de comportamentos machistas enraizados na sociedade. A responsabilidade é de todos: do poder público, das instituições, dos profissionais e da sociedade em geral.

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Deste modo, os avanços legais trazidos pela Lei 14.550/23 devem caminhar com a conscientização da população, o fortalecimento das políticas públicas e a capacitação dos profissionais envolvidos no processo, sendo tais medidas indispensáveis para que essa nova Lei alcance o seu próprio fim, qual seja, a prevenir e punir a violência sofrida pela mulher.

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Não só com o direito, mas com amor, solidariedade e técnica, é possível avançar na construção de um futuro no qual a violência doméstica seja uma página virada da nossa história. Juntos, podemos e devemos trabalhar incansavelmente para garantir um ambiente seguro, justo e igualitário para todas as pessoas, independentemente do gênero, cor, raça, opção sexual, religião ou qualquer outra forma de discriminação, por uma sociedade livre, justa e solidária.

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Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da AASP.

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 Raphael Parseghian Pasqual

Minibio: Advogado formado pela FMU e com pós-graduação em Direito Penal e Segurança Pública na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC).

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