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A revolução da inteligência artificial na advocacia brasileira

A realidade tecnológica que temos à disposição atualmente é um caminho sem volta, que afeta o cotidiano da sociedade e das profissões.

Por isso, ela é considerada por alguns especialistas como a Quarta Revolução Industrial, pela convergência de tecnologias digitais, físicas e biológicas. Nesse contexto de revolução tecnológica está a inteligência artificial (IA), que tem avançado a passos largos no Brasil. Na advocacia, ela não passa despercebida.

Pelo contrário, tem papel cada vez mais importante na sistematização e análise de decisões judiciais, agilidade em processos outrora manuais, entre várias outras funções, explicadas pelo advogado Wilson Engelmann, que, na seguinte entrevista, fala sobre o atual cenário e o que esperar para o futuro em relação à IA no Brasil.

Quais são as principais aplicações da IA na advocacia atualmente?

A IA, considerada um sistema oriundo da Tecnologia da Informação, está se instalando rapidamente na sociedade atual, impactando a atividade de diversas carreiras jurídicas, já que ela não apresenta aplicação apenas na advocacia.

Inicialmente, cabe sublinhar que a IA está no cenário da chamada Quarta Revolução Industrial, segundo Klaus Schwab, e atende a um sonho de qualquer profissional, no sentido de que se pode desenvolver mais do que atividades que sejam apenas humanamente possíveis.

Na advocacia se podem destacar as seguintes aplicações da IA:

a) instrumentos preditivos de resoluções judiciais: trata-se da utilização dos algoritmos inteligentes, com o objetivo de analisar os padrões de determinadas decisões. Permite a sistematização e análise de um grande conjunto de decisões judiciais, transformando-as em dados estatísticos. Aqui entra a chamada jurimetria;

b) instrumentos de investigação jurídico-legal e de apoio na elaboração de estratégias judiciais: eis um ponto importante, pois a advocacia se transforma em uma efetiva profissão de projeção de estratégias, combinando um conjunto plural de fontes do Direito, sejam nacionais e/ou internacionais, legisladas ou desenvolvidas a partir da autorregulação. Aqui ingressa a construção de árvores de decisão, programas de cumprimento, estruturando-se a chamada “informática jurídica decisória”, com dois exemplos globais potentes – o Ross e o Watson;

c) instrumentos de revisão contratual;

d) instrumentos de redação de documentos jurídicos;

e) instrumentos de automatização de processos repetitivos;

f) instrumentos inteligentes de reconhecimento de voz;

g) aplicativos para a resolução de conflitos;

h) aplicativos para o acompanhamento da tramitação de projetos de lei, entre outras possibilidades já disponíveis no mercado.

Quais os prós e contras que a IA trouxe para o Direito?

Dentre os aspectos positivos, destaco o trabalho jurídico repetitivo e braçal que poderá ser feito pela IA de forma mais ágil e qualificada. A atividade da advocacia ficará restrita ao trabalho intelectual e mais refinado, a partir das fontes e dados coletados, sistematizados e preparados pela IA.

Já em relação aos aspectos negativos, está a substituição da mão de obra humana que faz os mencionados trabalhos de pesquisa jurisprudencial, legislativa e doutrinária. Nesta pesquisa, de modo geral, operam os estagiários dos cursos de Direito, advogados recém-aprovados no exame de Ordem e iniciantes na carreira da advocacia.

Cerca de 48% dos escritórios advocatícios de Londres já utilizam sistemas de inteligência artificial e 41% pretendem implantá-los. O mesmo fenômeno vem se verificando no Brasil?

No Brasil, o movimento é um pouco mais lento, apesar de ser constante. Há um discurso muito otimista, no sentido de que a IA é um sinônimo de modernidade. É preciso ir com calma, pois a literatura especializada sobre a matéria, em sua quase totalidade publicada na língua inglesa, sublinha que a IA deverá ser aprendida pelos profissionais do escritório e com implantação gradativa.

Não se poderá ter a ilusão de que o sistema de IA resolva todos os problemas jurídicos do escritório e de modo automático. Tanto os advogados do escritório como o próprio sistema deverão aprender reciprocamente. Não existe receita pronta e instantânea.

Aqui no Brasil, a IA é vendida como uma fórmula que tornará os advogados e o escritório automatizados, e isso de um momento para o outro. Isto não é IA. Tal situação é falsa. Por isso, considero que é necessário estudar os fundamentos da IA, procurar compreender o que são algoritmos e como eles correspondem a uma linguagem que os advogados deverão aprender.

Os profissionais do Direito também deverão saber estatística, economia, redação de qualidade, jurimetria, estruturação de estratégias, entre outros conhecimentos que, geralmente, não são trabalhados nos cursos de graduação em Direito. Estes conhecimentos são encontrados em cursos de especialização e mestrados profissionais em Direito.

Neste conjunto, a IA entrará como mais uma ferramenta e um conhecimento especializado. Desta forma, se deverá olhar com atenção os anúncios de possibilidades facilmente instaláveis e de implantação sem um bom preparo do ambiente da advocacia onde serão operadas.

Temos um Judiciário moroso. De que forma a inteligência artificial pode mudar isso?

O Poder Judiciário brasileiro sofre com um excesso de processos a serem julgados. É um movimento que está vinculado ao modo como os bacharéis, futuros advogados, são formados, ou seja, para a judicialização do cotidiano.

Muito timidamente se começam a observar iniciativas formativas dos bacharéis em Direito para o manuseio de formas alternativas para a resolução de conflitos, como a arbitragem, mediação, negociação e conciliação.

Esses mecanismos, que também se encontram estruturados em legislação e doutrina qualificadas, deverão estar mais presentes nos planos curriculares das faculdades de Direito.

Enquanto isto não ocorrer, o Poder Judiciário continuará sendo mobilizado para toda e qualquer situação que ocorra na sociedade.

Ao futuro bacharel em Direito deverá ser mostrado que a interpretação e a aplicação do Direito não poderão depender somente da atuação do juiz, pois um árbitro, um mediador, um conciliador e um negociador também poderão dizer o Direito no caso concreto.

A partir do bacharel em Direito, haverá um movimento de conscientização das pessoas, a fim de acreditarem nestes profissionais, deixando para o Poder Judiciário as causas que efetivamente exigirão a manifestação do Estado por meio do Poder Judiciário.

Trata-se de um movimento lento, mas que deverá ser desencadeado com toda a força. Caberá ao árbitro, ao mediador, ao conciliador e ao negociador, além do aprofundamento teórico pertinente, conhecerem as possibilidades da IA, a fim de qualificarem o seu trabalho, atribuindo celeridade e eficiência às pesquisas que sustentarão suas decisões.

Portanto, a morosidade do Poder Judiciário está diretamente ligada à eficiência de meios adequados para resolver conflitos, sustentados na confiança e conhecimento de profissionais do Direito que tenham recebido essa formação e que tenham condições de continuar aprendendo após a formatura na graduação em Direito.

Não há como frear o progresso tecnológico, tampouco a sua influência e utilização no meio jurídico. Contudo, para que não se enfrente uma nova crise jurídico-tecnológica, os advogados e agentes da advocacia precisam estudar a aplicação da IA. Quais os principais desafios?

Aqui está um ponto importante: a IA é uma ferramenta tecnológica. Sua implantação deverá vir acompanhada de estudos e pesquisas detalhados sobre o que é a IA, suas possibilidades e efeitos, modos de implantação, vantagens e desvantagens da sua utilização.

Como qualquer tecnologia, a IA não é boa ou má em si. Tudo depende da sua utilização. Pelo que se tem verificado, a IA, em muitos casos, é vendida como um pacote tecnológico que modernizará a atividade da advocacia. Não é assim. Antes da sua implantação, se deverá pesquisar e estudar o tema. Depois, os profissionais deverão decidir pela sua implantação ou não.

Não é algo fácil e imediato. Há etapas do ciclo de vida da IA que deverão ser entendidas e avaliadas em caráter preliminar. Este cenário, como em nenhum outro momento, aponta para a necessidade de o advogado ser um “eterno estudante”.

 

Quais são os investimentos que um escritório precisa fazer para implantar a inteligência artificial e qual o primeiro passo que ele deve dar?

Um bom sistema custará caro. Não se tem um valor, mas deverá ser encarado como um investimento nos serviços prestados pelo escritório. Talvez se deva optar por uma utilização escalonada, acompanhada por uma equipe interdisciplinar, pois a IA deverá vir da preparação dos profissionais, não apenas pela operacionalização do sistema, mas também pelo conhecimento do que significa a IA e suas estruturas teóricas.

Os advogados precisam estudar este assunto e o modo como a IA vai dialogar com a prestação de serviços mais qualificados e eficientes. Este percurso deverá ser incluído no investimento a ser desembolsado.

O que podemos esperar do Judiciário, que, mais cedo ou mais tarde, irá se deparar com provas oriundas da inteligência artificial, sem possuir conhecimentos técnicos que demandam, por exemplo, as sofisticadas nanotecnologias? A Lei nº 12.654/2012 passou a prever a coleta de material biológico para obtenção de perfil genético como forma de identificação criminal. De certa forma, isso aproxima a realidade nano do Direito Penal?

No contexto da Quarta Revolução Industrial, segundo Klaus Schwab, se localizam as nanotecnologias, ou seja, o controle e o conhecimento de materiais que se encontram na escala nanométrica, que equivale à bilionésima parte de um metro.

A produção de materiais nesta escala permitiu o rápido avanço da Tecnologia da Informação, em que se encontra a inteligência artificial, a internet das coisas, as impressões em 3D, materiais inteligentes, carros autônomos, a indústria 4.0 (na qual toda a produção está conectada), entre outras possibilidades.

Podemos falar em “convergência tecnológica” das seguintes áreas: Nanotecnologia, Biologia Sintética, Tecnologia da Informação e Neurociência. Ao lado da utilização das possibilidades da IA, se encontrará a necessidade de conhecimento técnico, do perito, por exemplo, para poder entender os mecanismos de provas, que também serão utilizadas no conjunto probatório em geral dos fatos que estão acontecendo na sociedade.

A prova dos fatos não se dará mais apenas por meios visíveis aos olhos, mas cada vez mais por mecanismos sofisticados, além de fatos gerados por meio das tecnologias antes referidas.

A prova do invisível é um desafio para o humano. Um caso que já é realidade é a utilização de DNA para fins de persecução criminal, representando a utilização de tecnologia muito sensível e que consegue captar os indícios invisíveis para a construção de um cenário probatório.

Portanto, temos os seguintes pontos de atenção: o modo como as provas são colhidas; sua catalogação; transporte e armazenamento; como se dará a participação do advogado na produção da prova; quais os ângulos para a impugnação; mas, especialmente, o modo de se garantir o respeito dos direitos e garantias fundamentais do acusado ou de qualquer outra denominação das partes.

O DNA, por exemplo, é um dado pessoal que poderá ficar em um banco de dados? Assim, também, deverá ser verificado quem fará o tratamento deste dado, a partir da nova Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais.

Como o senhor resume essa nova era da IA no ramo da advocacia? É um futuro sem volta?

A IA é um ou mais sistemas que apresentam níveis de capacidade. Tudo dependerá de como o ser humano alimentará, ou melhor, ensinará a IA. Em um estágio inicial, que é o que estamos vislumbrando com mais frequência, a IA armazena muitos dados e fornece estatísticas. No entanto, numa segunda fase, que já está
em andamento, a máquina aprende e faz projeções de cenários e probabilidades.

Quanto mais dados inserirmos no sistema, mais inteligente esse sistema ficará. Além disso, a qualidade das respostas que a IA fornecerá depende da qualidade dos dados que fornecemos ao sistema.

Portanto, o advogado precisará estudar e conhecer as diversas faces desta tecnologia, o ser humano escolherá com que dados dará os comandos para o seu sistema de IA.

Espera-se que a máquina continue sob o poder do ser humano. Este deverá ser o percurso natural. E aqui está o maior ponto de alerta e risco. Todo o conjunto de novas tecnologias se apresenta como um caminho sem retorno.

O desafio que está nas mãos de todos os humanos é o modo como vamos operar e conviver com a IA, robôs humanoides e outros seres artificiais.

Quer dizer: quem será responsável pela atuação do robô? Esta pergunta deverá ser respondida. Para tanto, será necessária a realização de pesquisa.

Atualmente, só no meu grupo de pesquisa, JusNano, estou como orientador de uma tese de doutorado, uma dissertação de mestrado profissional e também como supervisor de um doutor que está fazendo o seu pós-doutorado.

WILSON ENGELMANN

Coordenador executivo do mestrado profissional em Direito da Empresa e dos Negócios da Unisinos. Professor e pesquisador do programa de pós-graduação em Direito – mestrado e doutorado – da Unisinos. Bolsista de Produtividade em Pesquisa do CNPq.

Fonte: Entrevista originalmente publicada na Ed. n° 3074

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