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Código de Processo Civil de 2015: evolução procedimental?

Ainda que o novo CPC represente um avanço no movimento de evolução do trâmite processual, a necessidade de equilibrar o amplo acesso à Justiça com a produção de resultados em prazo aceitável não foi atendida.

A análise é do professor José Roberto dos Santos Bedaque. Segundo o ex-desembargador e ex-procurador de Justiça, faltou ao CPC/2015 uma fórmula que ajudasse a reduzir o total de ações. “Com essa quantidade, não há Código ou Poder Judiciário capaz de produzir um instrumento célere, seguro e efetivo”, afirma.

Bedaque também defende o aprimoramento de alguns pontos do Código, por exemplo, o negócio processual, a estabilização da tutela antecipada.“Também devem ser revistas a taxatividade do agravo de instrumento e as situações em que se admite sustentação oral”, complementa.

Esta é a quarta de uma série de entrevistas que a Associação dos Advogados (AASP) está produzindo com operadores do Direito para saber como eles passaram a atuar, observando os dispositivos do CPC/2015.

O texto completou quatro anos de sanção. As três primeiras conversas ocorreram com o presidente do Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP), o advogado Paulo Henrique Lucon; a advogada Estefânia Viveiros, que integrou o corpo de operadores do Direito que redigiu o CPC/2015; e o desembargador Roberto Mac Cracken.

Acompanhe:

O que deu certo no Código de Processo Civil de 2015?

José Roberto dos Santos Bedaque: Não obstante o Código esteja em vigor há pouco mais de três anos, tempo insuficiente para afirmações peremptórias sobre os acertos e equívocos, alguns aspectos positivos, sem dúvida, podem ser destacados. Inicia-se pela Parte Geral, por si só uma novidade, da qual constam regras importantes, aplicáveis a todos os processos, independentemente da natureza da tutela jurisdicional pleiteada e do respectivo procedimento. Nesse Livro, encontram-se regras fundamentais ao devido processo legal, merecendo destaque a expressa menção a princípios importantes, como a celeridade, a boa-fé, a cooperação, a paridade de tratamento, a publicidade (arts. 4º a 7º e 11), bem como a exigência do contraditório prévio (arts. 9º e 10). Como algumas ressalvas, prestigia-se a ordem cronológica para efeito de julgamento (art. 12). Ressalta-se a unificação procedimental para arguição da incompetência do órgão jurisdicional. Tenha natureza relativa ou absoluta, a alegação deve ser feita na própria contestação, como matéria preliminar (art. 64).

Eliminou-se, pois, formalismo desnecessário, representado pela exceção de incompetência. A fixação dos honorários advocatícios deve atender a critérios mais objetivos, evitando discricionariedades não passíveis de controle (arts. 82 e ss.). Eliminou-se a nomeação à autoria como modalidade de intervenção de terceiros. Arguida a ilegitimidade passiva, ao autor é facultado simplesmente substituir o réu, sem grandes formalidades (art. 338).

A oposição passou a ser tratada como procedimento especial autônomo (art. 682). Duas outras formas de intervenção são bem-vindas: a desconsideração da personalidade jurídica, por força da qual, atendidos determinados requisitos, terceiros podem ser incluídos no polo passivo da demanda, e o amicus curiae. Importante estabelecer regras, especialmente para a desconsideração, pois a adoção da medida excepcional deve ser precedida de contraditório. Várias outras alterações, a meu ver, contribuem para possibilitar seja alcançado o fim do processo, isto é, a solução da crise de direito material. Por exemplo:

  1. A unificação procedimental das modalidades de tutela destinada a assegurar o resultado útil do processo. Passaram a ser denominadas “tutelas provisórias”, com conteúdo satisfativo (antecipadas) ou assecuratório (cautelares). Os requisitos para concessão são os mesmos para ambas, que podem ser requeridas antes da formulação do pedido definitivo ou no curso do processo. Distinguiram-se ainda duas situações: a urgência e a evidência. Uma depende do perigo de dano, para a outra basta o alto grau de verossimilhança do direito (arts. 294 e ss.). Extinguiram-se o processo cautelar autônomo e os procedimentos específicos.
  2. Os conceitos foram adequados às especificidades procedimentais. Exemplo: como a execução de sentença configura fase do procedimento (cumprimento de sentença), não pode mais o ato decisório ser concebido como extintivo do processo. Daí a alteração (art. 203, § 1º).
  3. Prestigiou-se a instrumentalidade das formas e admitiu-se expressamente a superação de vícios processuais, se inexistente prejuízo, em benefício da eliminação do conflito. A meu ver, o Código não criou novo princípio processual consistente na primazia do julgamento do mérito. Apenas deixou clara a natureza instrumental do método estatal de solução de controvérsias, cuja existência somente se justifica em função dos resultados práticos que dele se espera. Vejam-se, a propósito, os arts. 338, 339 e 832, parágrafo único, bem como as regras sobre nulidades processuais (arts. 276 a 283). Há inúmeros outros exemplos no mesmo sentido.
  4.  Conferiu-se força vinculante a determinados enunciados de tribunais, visando a dispensar o exame de situações repetitivas (art. 927). Essa solução, se bem aplicada, contribui decisivamente para conferir maior celeridade ao processo.

O que pode ser melhorado?

José Roberto dos Santos Bedaque: A experiência tem revelado a necessidade de aprimoramento de algumas inovações, como o negócio processual e a estabilização da tutela antecipada. Também devem ser revistas a taxatividade do agravo de instrumento e as situações em que se admite sustentação oral. As sessões de julgamento chegam a ter 20 ou 30 sustentações, o que inviabiliza o bom desenvolvimento dos trabalhos.

O que faltou?

José Roberto dos Santos Bedaque: Uma fórmula para redução do volume de processos. Com essa quantidade, não há Código ou Poder Judiciário capaz de produzir um instrumento célere, seguro e efetivo. O amplo acesso à Justiça precisa ser coordenado com a possibilidade de o mecanismo produzir resultados.

O que pode ser retirado?

José Roberto dos Santos Bedaque: O § 4º do art. 146 é manifestamente inútil. O que poderia fazer o tribunal ao concluir pela improcedência da arguição de impedimento ou suspeição, se não rejeitá-la?

José Roberto dos Santos Bedaque é mestre e doutor em Direito Processual pela Faculdade de Direito da USP, onde foi professor e livre-docente. Autor, coautor e coordenador de obras jurídicas. Iniciou sua carreira no Ministério Público, em 1978, chegando ao cargo de procurador de Justiça (1982). Tornou-se magistrado em 1993, quando passou a atuar no 1º TACível de São Paulo. Foi nomeado desembargador do TJSP em 2001, passando a ocupar uma cadeira no Órgão Especial da corte em 2005.

Fonte: Boletim AASP – Ed.  3095

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