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Bate-papo com Jorge Boucinhas sobre a litigiosidade nas relações trabalhistas

Falando sobre “A litigiosidade nas relações trabalhistas”, o advogado Jorge Cavalcanti Boucinhas Filho é presença confirmada em nosso Encontro Anual, que se inicia nessa semana. 

Em quase dois anos, a Lei n° 13.467/2017 acarretou considerável diminuição do volume processual da Justiça do Trabalho. Uma redução de ações que afetou diretamente a rotina dos responsáveis pelo acesso de muitos trabalhadores ao Poder Judiciário.

Para entender um pouco mais os fatores dessa redução e suas consequências para o futuro do Direito do Trabalho, batemos um papo com Jorge Cavalcanti Boucinhas Filho, que estará presente no painel trabalhista do 10º Encontro Anual AASP.

Confira!

A redução da litigiosidade das ações trabalhistas ocorreu na prática?

Jorge Boucinhas: Houve uma redução absolutamente brusca no número de novas ações que são distribuídas, o que, do ponto de vista numérico, é salutar, mas, do ponto de vista teleológico, pela forma e pelos motivos apresentados, tenho plena convicção de que não foi feita da melhor maneira possível.

Por qual motivo?

Jorge Boucinhas: Eu diria que nós identificamos bem os sintomas. Há de fato um número muito elevado de ações trabalhistas, mas concluiu-se que esse volume se justifica, porque advogados agem de má-fé ou porque as pessoas são mal-intencionadas para com seus antigos empregadores, e que, no fim das contas, há muita litigiosidade irresponsável, com muito direito que não é devido sendo concedido. Pegam exceções para apresentar como regra para fundamentar esses argumentos. Nisso nós erramos. Ao errar nesse diagnóstico, erramos também na posologia. Resolvemos reduzir o número de ações por meio do que se convencionou chamar de princípio da litigância responsável, que é estimular as pessoas a só entrarem com uma ação quando tiverem absoluta certeza, o que é absolutamente impossível em um sistema que privilegia o livre convencimento motivado. Reduzimos o número de ações pelo medo. Muitos jurisdicionados que acham ter razão, mas descobrem que cada juiz decide de um jeito, decidem não prosseguir com a ação, o que não é razoável, sobretudo quando falamos de verbas alimentares e direitos sociais. Para agravar ainda mais, além da mudança legal, estabeleceram que os honorários podem ser cobrados em processos distintos usando créditos de outros processos para pagar um especial, o que confirma uma posologia equivocada. Tentamos, por meio da intimidação, provocar a redução do número de ações.

Que tipo de critérios foram ou estão sendo utilizados pelos magistrados?

Jorge Boucinhas: O que se viu é que a maioria dos juízes sequer a aplicava; utilizavam um critério de direito intertemporal para dizer que só a aplicariam para ações ajuizadas após a mudança legal. Havia, inclusive, uma orientação por instrução normativa do Tribunal Superior do Trabalho (TST), nº 41, nesse sentido. Se um juiz aplicasse retroativamente e condenasse o empregado a pagar R$ 800 mil, isso virava notícia em todos os blogs, jornais e meios de comunicação, o que obviamente afugenta o leigo. Nenhuma redução de litigiosidade por meio do temor é adequada.

Mas é plausível o argumento da litigiosidade crônica no Brasil?

Jorge Boucinhas: Aproveito o gancho para dizer a minha posologia. O grande problema da litigiosidade excessiva no Brasil é que nós efetivamente não temos uma fiscalização do trabalho do tamanho adequado, além disso, nós temos uma cultura de descumprimento de leis, a menos que exista o risco de punição. E isso vale para tudo. Veja a lei de trânsito, por exemplo: não adianta estabelecer tolerância zero se não há bafômetro o suficiente para verificar exatamente quem está consumindo álcool. Lógico que essa mesma forma de pensar vale para as relações de trabalho.Só que nós temos um quadro reduzidíssimo de fiscais.

É possível contornar a falta de fiscalização?

Jorge Boucinhas: Tentamos criar uma espécie de malha fina do cumprimento da legislação trabalhista por meio do eSocial; o governo Bolsonaro já fala em acabar com ela, quer dizer, a gente não quer resolver o problema da litigiosidade excessiva pela forma correta, porque, se fiscalizarmos mais, haverá o mínimo de descumprimentos, e menos descumprimentos, menos ações. A forma correta de se reduzirem as ações era a gente redistribuir a atuação do Estado na fiscalização do trabalho. Eu pessoalmente acho inconcebível que o Brasil tenha cerca de 4 mil magistrados trabalhistas e 2 mil fiscais do trabalho. Quer dizer, temos mais juízes para condenar empresas a pagar as horas extras dos últimos cinco anos do que fiscais para irem ao local e verificarem se estão pagando. Há mais juízes para condenar empresas a indenizarem o empregado que perdeu uma perna do que fiscais para apontarem um risco de acidente de trabalho. Temos uma tutela muito mais repressiva do que preventiva.

Até onde o incentivo aos métodos alternativos de solução de conflitos pode ser efetivo?

Jorge Boucinhas: Eu não sou contra, mas ainda está pouco difundido. Pelo trabalhador e pela empresa. Do jurisdicionado de modo geral. Basta você ver que a Lei de Arbitragem tem mais de 20 anos e ainda não é sucesso absoluto em nenhuma área. Lógico que nas questões comerciais acontece com mais frequência, sobretudo quando envolve multinacionais, que vêm do exterior com essa cultura de soluções de conflito, mas no Brasil essa cultura não foi plenamente implantada.

Mas é preciso insistir mais?

Jorge Boucinhas: Veja o novo CPC, que parece ter redescoberto a pólvora quando fala em priorizar a mediação. É uma coisa que existe há muito tempo e que já era estudada, inclusive cientificamente. Não sou contra, mas eu acho que ela não deve existir porque a pessoa tem medo de procurar a Justiça, e sim porque é mais rápida, possui soluções mais eficazes, porque o jurisdicionado sente confiança no papel do árbitro.

Acredita que a advocacia trabalhista terá que se reinventar daqui para a frente?

Jorge Boucinhas: Eu acho que ela irá passar por dois processos de reinvenção. O primeiro é que ela vai deixar de ser o grande foco de todo recém-formado, vai deixar de ser aquela coisa que nem todo o mundo gosta de fazer, mas que todo o mundo faz. Os grandes escritórios tinham uma prática muito ruim para a advocacia trabalhista, que é a de privilegiar grandes contratos de áreas mais rentáveis, como societário, concorrencial, fusões e aquisições. Eles acabam adotando o trabalhista quase como um troco, um brinde a preço muito reduzido. Naturalmente isso provocou uma grande desvalorização do trabalho do advogado trabalhista.

A reforma trabalhista mudou esse cenário?

Jorge Boucinhas: Eu penso que, com a reforma trabalhista, a longo prazo isso vai começar a mudar; eu já sinto isso nos cursos de pós-graduação. Há alguns anos os cursos mais procurados eram o de Direito do Trabalho e Processual do Trabalho, porque para quem está abrindo um escritório próprio é uma forma de receita rápida, e o Processo Civil, porque serve para tudo, por ser uma área muito abrangente, que envolve todas as outras. O novo CPC aumentou a procura pelo curso, a reforma trabalhista teve o mesmo poder, mas, com tanta publicidade feita em torno da redução dos processos trabalhistas, cada vez menos o jovem procura essa área. Ele tem medo de investir bons recursos, por um tempo maior, numa área que aos seus olhos parece moribunda. É escandaloso e evidente que existe essa menor procura pela especialização na área. Isso faz com que a área seja composta cada vez mais por uma advocacia especializada, como o que acontece coma Justiça Criminal. Quem não é adepto dificilmente vai se aventurar por lá, correndo o risco de deixar um cliente preso. Ela tende a deixar de ser aquela área que nem todo o mundo gosta, mas que todo o mundo faz, como, de fato, já foi no passado.

E como o advogado deve planejar essa adaptação?

Jorge Boucinhas: Sob um outro aspecto, mesmo os advogados que ainda permanecerem terão que se reinventar, no sentido de que talvez seja o momento de vender mais serviços de atuação preventiva, como a prevenção de litígios, investir um pouco mais na formação arbitral, perceber que esse mercado de advocacia de massa, que vai pelo número, e não pela qualidade, nem sempre é viável economicamente. Mudanças na forma de cobrar, na forma de atuar e oferecer os serviços certamente acontecerão. Ainda é cedo para um diagnóstico preciso, mas os próximos 10, 20 anos serão decisivos para esse processo de adaptação.

As novas relações de trabalho abrem um leque de possiblidades para o futuro da advocacia?

Jorge Boucinhas: É possível. Sempre que surgem novas formas de trabalho, aparecem grandes questionamentos. Vamos imaginar que no futuro a jurisprudência, que hoje é muito vacilante, venha a fixar o entendimento de que o condutor de Uber é de fato um empregado da empresa. Se esta jurisprudência for consolidada, quantos não estarão em situação irregular e poderiam entrar, por essa razão, com uma ação pedindo vínculo empregatício? Esse é um mercado enorme. É possível que as novas formas de contratação impactem também positivamente o mercado da advocacia trabalhista. Porém, tudo é muito incerto e discutido no mundo inteiro.

Qual é o comportamento dos tribunais nesse momento?

Jorge Boucinhas: O próprio TST é hoje muito dividido. Há claramente dois grupos antagônicos que disputam espaço e poder, refletindo um pouco dessa disputa ideológica que existe hoje no país, no sentido da rotulação do “ou você está comigo ou está contra mim”. Então, se o TST está dividido, imagina os tribunais regionais entre eles. Não há uniformidade. A reforma trabalhista prometeu uma segurança jurídica, mas na verdade o que ela tem trazido no primeiro momento é mais insegurança.

O Supremo Tribunal Federal (STF) pode resolver isso?

Jorge Boucinhas: O Supremo precisa ajudar nessa interpretação, seja legitimando a regra ou pronunciando a sua inconstitucionalidade. Isso pode trazer um pouco mais de segurança, mas, ao que tudo indica, a composição atual do Supremo tem mais a respaldar a maioria das mudanças a partir de julgados recentes do que a condená-las. Há uma pauta para outubro que diz respeito à tarifação do dano extrapatrimonial. Se ninguém pedir vista, é uma questão a ser solucionada em breve. Um ponto relevante, mas, se você perguntar qual o meu prognóstico, eu lhe diria, sem convicção, que é provável que venha uma resposta de interpretação conforme a Constituição.

A composição do Supremo ajuda em questões como essa?

Jorge Boucinhas: Com muita clareza, hoje há uma divisão que, na maioria das votações, termina em 7 × 4 para o grupo menos progressista. Acho que uma interpretação conforme a Constituição é algo mais próximo. Talvez venham a esclarecer como fica a questão de dano em ricochete, o rol taxativo de bens que podem ser violados, que na verdade é exemplificativo tanto para empregado quanto para empregador. Enfim, algo mais salomônico do que a simples pronúncia de inconstitucionalidade total do preceito.

Com tudo o que vem acontecendo, a Justiça do Trabalho tem fôlego para se manter eficiente?

Jorge Boucinhas: Eu acho que ela passa por um processo de ataque muito forte, que vai além da reforma trabalhista e além dessa publicidade em torno da redução do número de ações. Passa sobretudo pela questão orçamentária. Desde o governo anterior, ela vem sendo sufocada muito mais do que outros órgãos jurisdicionais. Sabemos que vem acontecendo um grande ajuste fiscal, um arrocho nos gastos públicos, mas, como a Justiça do Trabalho é tida como inimiga da base governista, é evidente que passe por um estrangulamento maior. O fim da Justiça do Trabalho, ou seu enfraquecimento, só interessa a um grupo de pessoas, aos maus empregadores. Para os bons empregadores, ela é absolutamente essencial, porque assegura o cumprimento da lei por todos e que quem não cumprir a lei poderá ser punido. Na hora que ela parar de existir, teremos um grupo de pessoas que, por convicção e preceitos morais, irá cumprir a lei e terá muito prejuízo na concorrência com os que optam por não cumprir a lei e que não terão mais o temor de sofrer condenação na Justiça do Trabalho. Eu espero que ela tenha fôlego para continuar a existir, pois seu papel é absolutamente fundamental não só para o hipossuficiente, mas para o bom comerciante, para o bom empresário, para o bom patrão.

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Fonte: Núcleo de Comunicação AASP

 

 

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