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Legal design: soluções estratégicas e inovadoras para o universo jurídico

“Por meio de cursos multidisciplinares, soluções colaborativas, métodos criativos e processos de inovação, problemas complexos podem deixar de ser obstáculos e se tornarem novos serviços e produtos”, Carolina Hannud.

Os atuais desafios, a concorrência e a veloz transformação social e tecnológica exigem que o repertório do profissional jurídico vá além da memorização de leis e regimentos dos tribunais.

No bate-papo de hoje, conversamos com a especialista Carolina Hannud que traz relevantes dicas sobre como aprimorar conhecimentos utilizando como base o conceito de legal design, uma técnica que nos convida a compreender de que forma ele se relaciona às áreas do conhecimento humano na criação de soluções.

Confira:

O que é o legal design?

Começo com o que ele não é: o legal design não é sobre a beleza de um documento, a utilização de ícones e QR codes em contratos, colar post-its na parede ou apenas adotar o design thinking.

Não há hoje definição consensual para o legal design. É um conceito novo. Professores e legal designers enfatizam aspectos distintos. A maioria acaba usando a expressão referindo-se, na verdade, ao legal design thinking. Ou seja, à aplicação no universo jurídico da metodologia criada como uma disciplina eletiva na Universidade de Stanford entre o departamento de Engenharia Elétrica e a Escola de Belas Artes no final da década de 1960.

O design thinking é uma metodologia de cinco etapas usada por organizações para promover a inovação. Ela coloca a experiência do usuário no centro do processo criativo, com foco na criação de protótipos rápidos para resolver um problema e testes com usuários reais.

Minha definição é mais ampla. Acho importante incluir todos os tipos de abordagens de inovação, bem como distintas áreas do design. Por exemplo, design de serviço, design de experiência do usuário, design de interface, metodologias ágeis, mapeamento de processos e redesenho de fluxos, entre outros.

O que torna um documento realizado com técnicas de legal design tão especial é que ele funciona bem. Ele existe no mundo de maneira coesa, harmônica e acessível. Legal design é sobre se preocupar com a maneira como as coisas funcionam no Direito e como as pessoas se sentem ao se relacionarem com informações jurídicas. É, acima de tudo, preocupar-se com a experiência do usuário.

Como descobriu o legal design?

Justamente pela expressão “legalux” ou pela minha preocupação – quase consternação – com a péssima experiência do usuário no Direito.

Tendo trabalhado em 2018 como uma empregada terceirizada temporária do Google em uma área de parcerias estratégicas e desenvolvimento de novos negócios, durante 9 meses me aproximei do que chamo de realidade: mundo digital, marketing, desenvolvimento de produto tecnológico, preocupações com termos como fricção e experiência do usuário e até mesmo de design sprints (uma versão mais rápida e remasterizada do design thinking criada por Jake Knapp).

Ao encerrar meu contrato em dezembro de 2018, eu me questionava sobre a qualidade da experiência do cliente no Direito. Não compreendia porque ninguém falava sobre UX (user experience) no Direito e como a fricção para a contratação e a realização de serviços jurídicos – ou até mesmo para o acesso à justiça – era gigante. E ninguém parecia se importar.

Ao digitar no LinkedIn em dezembro de 2018 a expressão “legalux”, encontrei três pessoas no mundo utilizando a hashtag, uma delas a professora franco-canadense Tessa Manuello, que foi minha parceira no Brasil. Juntas fomos responsáveis pelo treinamento em legal design para quase mil advogados por todo o país durante o ano de 2019.

Ao longo do ano de 2020 me certifiquei em áreas distintas do design pela Interaction Design Foundation, ESPM e pela AJ&Smart, buscando adquirir um conhecimento teórico mais profundo e detalhado sobre um universo que não era o meu até então.

Quais mudanças você tem visto aqui no Brasil e no exterior por meio do legal design?

Matérias recentes do Financial Times relatam o nome de grandes empresas e casos específicos de aplicação do legal design às quais me refiro e aproveito para deixar os links específicos para quem possa se interessar.

Link I

Link II

 

Os primeiros exemplos significativos de design aplicado ao setor jurídico, segundo o Financial Times, surgiram na Austrália em 2016, com a equipe jurídica interna da Telstra, a empresa australiana de telecomunicações. Eles usaram a metodologia para fazer uma série de melhorias pequenas, mas impactantes, na entrega de serviços para clientes corporativos internos, como responder a consultas em um determinado período de tempo máximo.

Desde 2020, muitos grandes escritórios de advocacia agora empregam legal designers em sua equipe. Alguns, como o Linklaters, oferecem treinamento de design a todos os seus advogados para encorajar uma mentalidade mais centrada no cliente. Outros, incluindo Gilbert & Tobin, com sede na Austrália, que assessora a Telstra, incorporaram a metodologia em tudo o que fazem.

A Linklaters, por exemplo, recentemente o usou para melhorar a maneira como a empresa realiza atividades de due diligence em transações financeiras estruturadas, movendo dados de longas tabelas de palavras para relatórios de Excel cuidadosamente selecionados que podem se encaixar nos modelos financeiros dos clientes.

Os advogados da Atos, empresa francesa de tecnologia, usaram a abordagem para melhorar sua contratação e torná-la melhor para os clientes. Também realizaram um curta-metragem para explicar suas políticas anticorrupção.

A atual garota-propaganda por renovar sua abordagem do conteúdo jurídico em seus contratos comerciais é a Shell. O grupo de energia concluiu vários projetos para melhorar a forma como interage com fornecedores e clientes, nomeadamente através da introdução de contratos visuais. Fraser Hill, gerente-geral de transformação digital e de processos, que liderou o projeto, diz que começou pensando na experiência do usuário e no objetivo do contrato.

No Brasil, temos casos envolvendo a MRV, a Loft e até mesmo o Poder Judiciário. Isto mesmo. O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) lançou recentemente a Resolução nº 347/2020, que dispõe sobre a Política de Governança das Contratações Públicas no Poder Judiciário. O documento, assinado pelo ministro Luiz Fux, elenca os recursos de visual law como sendo essenciais para tornar os documentos mais claros, usuais e acessíveis.

No Capítulo X, sobre o plano de comunicação para implementação dos ditames da resolução, o parágrafo único do art. 32 refere que, “sempre que possível, dever-se-á utilizar recursos de visual law que tornem a linguagem de todos os documentos, dados estatísticos em ambiente digital, análise de dados e dos fluxos de trabalho mais claros, usuais e acessíveis”.

O anexo da resolução, que trata das definições adotadas no decorrer do documento, também cita a expressão. No anexo, em suma, o Visual Law é, por sua vez, conceituado como sendo a “subárea do Legal Design que utiliza elementos visuais tais como imagens, infográficos e fluxogramas, para tornar o Direito mais claro e compreensível.

Quais dicas aos advogados que desejam ser mais criativos?

Todos somos criativos e assim nascemos. Então, não se trata de criar algo que não existe, o que é, afinal, muito mais fácil e divertido!

Reconectarmo-nos com a nossa criatividade envolve expandirmos nossas atividades e nossas referências – livros, filmes, viagens quando possível, restaurantes, bares, passeios, caminhos e rotas. Quanto mais imagens uma pessoa retém em seu cérebro de experiências e aprendizados passados, mais chances ela tem de colocar estas imagens em ação quando tiver que resolver um problema complexo novo – cada vez mais uma atividade visual.

Estudar menos sobre Direito e mais sobre economia, data science, design, gestão de qualidade, gestão do conhecimento e administração também me parece um caminho proveitoso.

Como mudar o mindset da advocacia?

Entendo que só devemos mudar se nos parece necessário. Quem sou eu para dizer que a advocacia precisa mudar?

O que posso mencionar é que a abordagem tradicional não é mais suficiente. A complexidade crescente em termos regulatórios e legais – advinda da crescente automação e das convergências de tecnologia –, assim como a digitalização e a globalização estão mudando nossas sociedades a tal ponto que desenvolvemos – todos nós – novos comportamentos, novas formas de nos comunicarmos e interargimos; bem como um acesso maior à informação e ao conhecimento.

O Direito e a lei continuam exercendo funções críticas para todas as sociedades e para as áreas de negócio. Porém, o atrito e a fricção crescentes entre o mundo real (digital) e o mundo jurídico tradicional (ainda inspirado no Corpus Juris Civilis) estão cada vez mais insuportáveis.

Temos que tornar o Direito acessível – não apenas no sentido de garantirmos acesso à justiça, mas no sentido de fornecermos usabilidade jurídica. Usabilidade, note-se, é um termo utilizado para definir a facilidade com que as pessoas podem empregar algo a fim de realizarem uma tarefa específica e importante. E, acho que podemos concordar, o Direito é pouco ou nada acessível no seu modelo tradicional e, portanto, talvez seja a hora de finalmente nos preocuparmos com a democratização da informação e com a experiência do cliente.

Quer saber mais?

Inscreva-se no curso “Legal Design: do usuário ao serviço” clicando aqui.

Confira o recado de Carolina Hannud para você clicando aqui.

Fonte: Núcleo de Comunicação AASP

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