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Aspectos do Direito de Família na Covid-19: Família e felicidade

Por Rolf Madaleno

Ter uma boa relação com as pessoas que nos rodeiam é sempre uma fonte de felicidade, e poder ter contato e conviver com as pessoas que amamos não somente serve como oxigênio desta felicidade, mas dá sentido à existência humana, acalma a alma e torna as pessoas, gregárias por natureza, indivíduos melhores, mais fraternos e humanos.

Ao lado destes prazeres da existência humana, quando existem filhos, especialmente menores e incapazes, os vínculos afetivos coexistem com obrigações constitucionais com a vida, a saúde, a alimentação, a educação, o lazer, a profissionalização, a cultura, a dignidade, o respeito, a liberdade e o dever e ao mesmo tempo direito de convivência familiar e comunitária, sendo dever adicional dos pais, da família, da sociedade e do Estado colocar os menores a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão (CF, art. 227).

Têm os pais para com seus filhos deveres absolutos de convivência e do exercício efetivo do poder familiar, do qual os pais não podem abdicar voluntariamente, muito embora deles possam ser destituídos quando se omitem das suas inarredáveis funções parentais em relação à indefesa prole que só a partir dos 18 anos de idade adquire sua total independência e o encargo de responderem por seus acertos e desacertos, não obstante possam seguir dependendo de seus ascendentes nos aspectos materiais que também compõem o conjunto das relações familiares.

Nessa primeira passagem desta rápida narrativa das relações familiares em tempos de pandemia, foram expostas as feridas que, em tempos de ruptura afetiva, aparecem com mais frequência, e a qualquer tempo, nas disputas processuais acerca da guarda e da convivência, cujos temas centrais afloram naturalmente nas demandas judiciais que contam com a disputa sobre direitos e obrigações atinentes aos filhos, aliados às questões de cunho alimentar, sendo que a soma delas também gera uma crescente margem a efeitos paralelos de alienação parental.

Felizes produzimos e obtemos maiores satisfações materiais, mas a ruptura dos afetos é causa determinante das maiores perdas dos níveis de felicidade, tendo o Direito de Família construído os conhecidos caminhos a serem percorridos no intuito de minimizar estas avarias afetivas e materiais, valendo-se da guarda compartilhada para não perder o contato e a sagrada função parental; fazendo uso da alienação parental quando um dos genitores intenta afastar o outro do convívio familiar; e administrando recursos para não sofrer demasiado com o impacto financeiro advindo da ruptura dos afetos.

Sem nenhum precedente na história da jurisprudência mundial e sem que qualquer doutrinador pudesse prever e projetar os efeitos jurídicos do exercício do poder familiar, e acerca das relações de convivência em meio a um alarme sanitário que põe em risco a população, somente causas graves que afetem a saúde e o interesse dos filhos e que também afetem a saúde e o interesses dos maiores, em especial dos mais idosos, é que justificam a tomada de medidas de exceção nunca antes experimentadas, e que basicamente atingem menores incapazes e idosos vulneráveis, tudo permeado por um acentuado abuso do direito que não tinha tanto tráfego em tempos de normalidade e que tampouco atingia os níveis que por vezes beiram a atos de desumanidade das pessoas que um dia disseram que se amavam.

Diferente dos dias normais, em tempos de confinamento, pandemia, coronavírus ou Covid-19, ressaltam as palavras de ordem, que são saúde e segurança de todos que estão confinados em suas casas, para que a doença não se dissemine em assustadora e geométrica progressão letal, com cuidados especiais para os idosos que se encontram nos grupos de risco e que terminam sendo privados da sua convivência e do insubstituível contato pessoal para com seus filhos e netos, e cujos momentos serão bem mais difíceis de serem compensados.

A convivência entre pais e filhos é direito fundamental do rebento e adicional dos pais, para os quais se sobrepõe o dever que têm com respeito à formação, educação e toda a gama de cuidados que precisam ter para com a sua prole.

Portanto, o direito de convivência presencial deve ser prioritariamente preservado, salvo que ponha em risco a vida e a saúde dos filhos, dos pais ou dos avós; e nessas hipóteses terminará sendo temporariamente substituído pelos meios telemáticos de comunicação, imperando para a análise o bom senso e a boa-fé.

Contudo, e lamentavelmente, muitos pais que já eram alienadores também estão se tornando abusadores do direito que exercem para restringirem o contato e a convivência dos filhos em relação ao outro progenitor, criando falsos alardes e pedidos judiciais de suspensão das visitas (convivência), ou se deslocando para lugares distantes como desculpa do isolamento, mas que, em realidade, buscam isolar a presença do outro genitor; e esta atitude não deixa de ser uma nova modalidade da surrada prática da alienação parental com uma dose perversa de abuso do direito, que deveria estar sendo protegido para preservar a saúde e a vida dos filhos e de pais e avós que se encontram na faixa de idade daqueles considerados idosos e na faixa de risco.

Mas também abusam perversamente do direito aqueles progenitores provedores que, sem real necessidade, buscam reduzir o montante alimentar e o fazem ancorados na suposta redução de seus ingressos financeiros, embora em muitas áreas de atuação estes recursos tenham crescido e vários outros profissionais usufruem de reservas ou suas vidas econômicas não tenham sido efetivamente impactadas; mas, ao revés destes, existe uma significativa gama de provedores que viram seus recursos se exaurirem e se encontram incapazes de quitarem suas obrigações alimentícias.

Em meio ao caos e ao isolamento social que têm sido causados pela Covid-19, para o Direito de Família ressalta uma terceira palavra de ordem e que respeita ao juízo de ponderação, que convoca pais comprometidos com a prioridade que são seus filhos agora quando descobrem que a vida pode ser muito mais curta e finita do que podem imaginar, também descobrem que devem deixar de lado as suas mágoas e dissensões pessoais e destinar seu tempo e suas atenções para construírem um mundo melhor e mais fraterno para seus filhos e um espaço mais harmonioso em suas relações, e que, se existe algum aspecto positivo em meio a toda esta pandemia, talvez tenha sido a circunstância de nos levar a uma nova e grande reflexão.

Rolf Madaleno é advogado e especialista na área do Direito de Família e Sucessões.

 

 

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