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Investimento necessário, compliance avança contra famoso “jeitinho”

“Os prejuízos de não se adotar um programa de compliance vai muito além de ‘ser pego’ por um ato de corrupção.” (Roberta Codignoto)

Nos últimos anos, o programa de compliance se tornou uma ferramenta indispensável para o controle financeiro e administrativo de muitas empresas, permitindo que elas tivessem um panorama fidedigno de sua situação estrutural e auxiliando na correção de eventuais falhas.

Para entender detalhes sobre a sua real necessidade, funcionamento e impacto, conversamos com a especialista em negociação, pela Harvard Law School, e em compliance, pelo Insper, Roberta Codignoto, que recentemente ministrou curso a respeito na AASP.

Acompanhe:

Qual a importância do compliance para o meio empresarial?

Roberta Codignoto: Compliance é uma importante ferramenta para as empresas, principalmente para garantir sua sustentabilidade e reputação. Através de um sistema de prevenção, diagnóstico e remediação, as empresas podem se conhecer melhor, prevendo riscos e antecipando situações que poderiam ocasionar prejuízos consideráveis por não observância de leis, por ausência de cuidados internos com suas pessoas (respeito às leis trabalhistas, assédio, fraudes) ou, ainda, por descuidos com seus terceiros (prestadores de serviços, fornecedores).

Além disso, com mais empresas atuando em conformidade e elevando seus níveis de integridade nos negócios, os “maus competidores” não terão espaço, e todo o meio empresarial é beneficiado pela melhoria na qualidade das empresas. Ganham as empresas, ganham os funcionários, ganha toda a sociedade.

Como deve ser estruturado um programa de compliance efetivo?

Roberta Codignoto: Como um sistema, o programa de compliance possui pilares que são fundamentais para que seja considerado efetivo em uma organização. Ele deve ser estruturado com o apoio incondicional da gestão da empresa (CEO, donos, sócios fundadores), pois, sem esse apoio, o profissional não consegue atuar na mudança cultural necessária, nem na construção dos processos e controles internos. O programa também deve ser baseado nos riscos da organização, e é justamente por isso que se diz que um programa de compliance é único para cada empresa, pois cada uma tem seus riscos. Deve haver um código de ética e conduta para direcionar todos os membros da organização, bem como diretrizes para fornecedores e prestadores de serviço. As pessoas devem ser treinadas periodicamente, e o programa deve ser constantemente comunicado. Controles internos são necessários, para que sejam identificados desvios, e o monitoramento precisa ser constante, para o aperfeiçoamento do programa. E deve haver um canal de denúncia para que as pessoas possam se manifestar sobre dúvidas com relação às condutas ou quando tomam conhecimento de alguma irregularidade, bem como um processo de investigações internas e uma política de consequências para aqueles que descumprem o programa.

No entanto, nada disso é efetivo quando não é vivido ou executado de fato pela empresa. O compliance deve ser de pessoas para pessoas, e elas precisam ser conscientizadas (ter conhecimento) e sensibilizadas (sentir, compreender a importância e o sentido do programa).

Líderes que nem sequer participam de reuniões com o responsável pelo compliance, ou que jamais atendem a sessões de treinamento. Códigos de conduta ricamente escritos, mas que não são conhecidos ou compreendidos pelas pessoas. Denúncias que não são apuradas ou pessoas que cometem irregularidades e não são punidas. Gestores que acreditam que é o responsável pelo compliance quem precisa dar o exemplo, não eles mesmos. Todos esses exemplos são sintomas de um programa que está estruturado somente no papel, sem que seja, de fato, incluído na prática da cultura organizacional.

O que acontece com organizações que não adotam o compliance?

Roberta Codignoto: Empresas não se dão conta, muitas vezes, de que os prejuízos de não se adotar um programa de compliance vão muito além de “ser pego” por um ato de corrupção, fraude em processos de licitação, ou um descumprimento de norma regulatória. A questão é muito mais abrangente e deve ser vista como um tema de negócios. Cada vez mais as grandes empresas estão ampliando a abrangência de seus programas de compliance e exigindo que sua cadeia de fornecimento e serviços esteja em conformidade. Além disso, o fato de o Brasil estar em uma posição de alta percepção de corrupção (106º, de 180 países), no Índice da Transparência Internacional (ipc.transparenciainternacional.org.br/), os investidores estrangeiros são mais exigentes ao fazer negócios no país. Portanto, não ter compliance pode significar perda de oportunidades de negócio.

Além disso, não ter compliance pode significar uma fraqueza para o engajamento de funcionários. O programa, bem estruturado, traz conforto às pessoas de uma organização, uma vez que elas sentem que possuem voz.

Qualquer empreendimento pode ter em seus sistemas o compliance implantado?

Roberta Codignoto: Compliance é para todos, sim! Qualquer empresa, de qualquer tamanho, pode estruturar um programa. Ele não precisa ser complexo para funcionar.

A Alliance for Integrity, por exemplo, é uma iniciativa global que engaja pequenas e médias empresas para compreenderem a importância de programas de compliance. É possível haver processos simples que sejam considerados efetivos, como diretriz de conduta e compromisso ético, compromisso efetivo dos donos, pequenos empreendedores, reforço da comunicação e treinamento feitos com os recursos disponíveis, como lembretes nas telas do computador, por exemplo.

Há quem diga que o compliance burocratiza empresas, fazendo com que elas se dediquem mais a cumprir exigências legais do que a desenvolver suas atividades e lucrar. Isso ocorre?

Roberta Codignoto: Se, porventura, ele burocratiza alguma empresa, é porque ela estava acostumada a fazer negócios sem avaliar riscos ou descumprindo regras e leis. O compliance não se presta a isso…

O cumprimento das leis não é algo que veio junto com o programa de compliance. Ele sempre existiu. Não se pode falar que um empresário foi obrigado a cumprir leis e que sua atividade ficou mais difícil, porque ele implementou um programa de compliance.

A Operação Lava Jato mudou a forma como as empresas enxergam o compliance? 

Roberta Codignoto: Costumo brincar que, como a era “antes de Cristo” e “depois de Cristo”, existe o compliance “a.M.” e “d.M.”: “antes de Moro” e “depois de Moro”. As prisões da Lava Jato trouxeram o efeito do que chamamos “convencimento pela dor”. Executivos muitas vezes questionavam suas áreas de compliance, ou até mesmo seus advogados, sobre qual era a probabilidade de serem pegos ou de “jeitinhos” tão usuais nos negócios (“Ah, mas sempre foi feito assim aqui…”) serem considerados como práticas corruptas. Muitas empresas entenderam que precisavam de um sistema que pudesse ajudar na melhoria de seus controles internos e na adoção de mecanismos de prevenção, como educação, sensibilização, treinamentos e comunicação. E entenderam que é um investimento necessário, e não caro, quando comparado aos valores das multas ou dos prejuízos financeiros e perdas reputacionais.

Fonte: Núcleo de Comunicação AASP

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