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Os Cem Anos do Professor José Afonso da Silva

O centenário de uma pessoa emociona a todos. Celebrar uma vida que dura cem anos confere uma presença imediata à história. Cada um de nós se põe a imaginar o contexto da época na qual o aniversariante tinha a nossa idade. Ele se apresenta como testemunha das conquistas e dos desastres de várias décadas e teve a alegria de conhecer e conviver com várias das gerações de seus sucessores.

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José Afonso da Silva faz cem anos. A AASP, ao lado de toda a comunidade jurídica nacional, regozija-se e homenageia esse Jurista de origem tão humilde, mas que construiu um brilhante “itinerário constitucional”, para usar a expressão constante do título de seu livro de memórias.

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Professor Emérito da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, o mestre assim sintetiza o árduo início de sua caminhada, no interior de Minas Gerais:

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“Comecei a vida na roça, fui carreiro de bois, fui padeiro em Buritizal e São José da Lagoa. Fui garimpeiro de cristais nas minas do Guacho, Porteira de Chave e Retiro. Aprendi, em São José da Lagoa, o ofício de alfaiate. Com agulha e dedal de alfaiate à mão, saí de Curvelo e vim para São Paulo, com o firme propósito de empreender estudos e completar estudos e completar minha formação, ainda muito deficiente, com meu curso primário incompleto, só até o terceiro ano.” (A Faculdade e meu Itinerário Constitucional, p. 169).

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As experiências difíceis da criança e do jovem José Afonso – cuja educação fora esquecida pela República brasileira – contribuíram para a visão de mundo do futuro jurista e “para a melhor compreensão de um fenômeno sociocultural como é o Direito” (A Faculdade e meu Itinerário Constitucional).

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Trabalhando como alfaiate, para ajudar no sustento de seus pais e irmãos, e morando em pensões humildes na capital de São Paulo, o jovem mineiro foi um exemplo de aluno autodidata e de leitor incansável. Aprovado em exame supletivo, conseguiu o certificado do ginásio. Cursou o colegial e ingressou na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco em 1953, com já 28 anos, fazendo ele mesmo os ternos que tinha de vestir para frequentar a escola. No segundo ano, parou de trabalhar como alfaiate e começou sua vida de Professor, ministrando latim e português em escolas ou em aulas particulares. Prestou vestibular para Filosofia, na USP, que cursava à noite. No quarto ano, passou a estagiar em favor dos que necessitavam de assistência judiciária, participando do Departamento Jurídico do XI de Agosto.

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Após sua formatura, continuou seus estudos, que o levam, por sucessivos concursos, à cátedra de Direito Constitucional da USP. A turma de 1957, por ele integrada, é a segunda que mais docentes deu ao largo de São Francisco: foram seus colegas de formatura futuros Professores eminentes, como Ada Pellegrini Grinover, Dalmo Dallari, Ivette Senise Ferreira, Manoel Gonçalves Ferreira Filho e Modesto Carvalhosa.

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Considerado o Jurista mais citado pelo STF em julgamentos de controle concentrado de constitucionalidade, o Professor José Afonso é Autor de clássicos da literatura jurídica brasileira, como a monografia Aplicabilidade das Normas Constitucionais e o Curso de Direito Constitucional Positivo, fruto de suas aulas.

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Registre-se o pioneirismo de José Afonso da Silva nas áreas de ensino e pesquisa do Direito Urbanístico e Direito Ambiental, ministrando cursos de pós-graduação nessas áreas e escrevendo algumas das primeiras obras desses ramos jurídicos: Direito Urbanístico Brasileiro (1981) e Direito Constitucional Ambiental.

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Contudo, José Afonso, leitor curioso e incessante, revela-se também Autor de extensa produção e realiza contribuições importantes em áreas como o Direito Processual e o Direito Tributário, além de romances (Buritizal e Dondé). Suas memórias acadêmicas, já referidas, vão muito além do registro de sua passagem pelas arcadas, constituindo verdadeira história intelectual daquela escola, com detalhadas análises das obras dos principais Professores que por ali passaram no século XX.

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O centenário Professor dedicou-se também ao serviço público. Além de Procurador do Estado, teve um papel-chave como Secretário da Segurança Pública do Estado de São Paulo entre 1995 e 1999, buscando zelar pelo respeito aos valores humanos e pela legalidade na atuação das polícias, combatendo a corrupção e os abusos violentos das forças de segurança. Destaca-se, entre seus esforços, a criação da ouvidoria da polícia, um canal aberto ao diálogo com a sociedade.

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Constitucionalista respeitado, José Afonso participou intensamente do processo constituinte, integrando a Comissão Arinos, nos anos de 1985 e 1986, e atuando como Assessor especial do Senador Mário Covas na elaboração da carta de 5 de outubro. De particular relevo foi sua marca na explicitação dos direitos sociais, do art. 7º.

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O centenário Professor aponta a todos os Juristas e Advogados o caminho da construção de um Direito melhor: o estudo, o debate democrático e tolerante, a preocupação com as agruras do povo brasileiro, a defesa incondicional da liberdade. Refletindo sobre a sua vida, José Afonso da Silva afirma que “o peculiar destino de um homem está precisamente no determinar-se, com o sentido da liberdade, a sua própria história”, o que lhe dará “as condições necessárias para, como pessoa livre, transformar tanto a estrutura de seu mundo circundante como o seu próprio amor”.

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Que seja essa lição aprendida por todos os Juristas e que a Advocacia das novas gerações paute-se sempre pelo modelo desse honrado Professor centenário.

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Ruy Pereira Camilo Junior

Professor Doutor do Departamento de Direito Comercial (DCO) da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (FDUSP), onde realizou seu mestrado e seu doutorado. Pós-Graduado lato sensu em Análise Econômica pela Fipe (2011), com extensão na Universidade de Grenoble II, na França (2009). Professor Visitante dos cursos de pós-graduação lato sensu da PUC-PR e PUC-RS. Autor do livro Direito Societário e Regulação Econômica. Membro do Conselho Diretor da AASP para o triênio 2023-2025. Associado AASP desde 1991.

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