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O Direito à Saúde e o Dever do Estado no Fornecimento de Medicamentos de Não-Padronizados no SUS – A busca de pacientes com Acondroplasia (Nanismo) ao tratamento órfão Voxzogo (Vosoritide)

Autora: Danielly Kelly da Silva Campos

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Data de produção: 19/04/2023

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Muito se ouve falar sobre a judicialização da saúde e os impactos orçamentários suportados pelo Estado, especialmente pelo aumento das demandas judiciais de pacientes em busca do mais efetivo acesso à Saúde.

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A cada dia percebe-se também o aumento das dificuldades enfrentadas por pacientes, especialmente aqueles diagnosticados com doenças raras e ultrarraras, cujo tratamento na maioria dos casos, quando há tratamento, possui denominação órfã, ou seja, só existe no mercado aquele fármaco disponível para o tratamento de sua patologia.

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Analisemos, pois, a busca de pacientes diagnosticados com Acondroplasia, uma doença genética rara conhecida como uma das formas mais comuns de nanismo.

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“A Acondroplasia é uma displasia óssea resultante de uma mutação genética, causada por uma mutação de ganho de função no receptor 3 do fato de crescimento de fibrobrastos (FGFR3), que provoca alteração no desenvolvimento da cartilagem das placas de crescimento, resultando no crescimento anormal do corpo.”[1]

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É comum que pacientes diagnosticados com Acondroplasia, sejam acometidos por diversos sintomas e comorbidades associadas ao diagnóstico principal, dentre eles, mas, não só:

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– Membros encurtados e curvos, com os braços e coxas mais reduzidos do que os antebraços e pernas. Pés planos, pequenos e largos.

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– Parte inferior da coluna curvada – uma condição também chamada de lordose, que pode levar à cifose.

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– Frequentes infecções no ouvido médio, que podem levar à perda auditiva.

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– Estenose do Forame Magno.

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– Retardo em marcos de desenvolvimento, como caminhar (que pode ocorrer entre 18 e 24 meses, em vez de cerca de 1 ano de idade). [2]

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Até novembro de 2021 não existia tratamento que atuasse diretamente na causa que impede o crescimento de pacientes com ACH – Acondroplasia.

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As tecnologias e tratamentos fornecidos no âmbito do SUS-Sistema Único de Saúde são apenas paliativos e sintomáticos, não atuando diretamente na causa do diagnóstico principal, com tudo, com a aprovação e registro do medicamento Voxzogo (Vosoritide) pela Anvisa[3] Agência Nacional de Vigilância Sanitária, nasce para as crianças com ACH o único tratamento farmacológico que atua diretamente no receptor 3 do fator de crescimento de fibrobrastos (FGFR3), provocando o efetivo crescimento ósseo e efeito positivo nas comorbidades associadas.

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Antes de ser aprovado o registro na ANVISA, o medicamento já havia sido aprovado pela U.S. Food And Drug Administration – FDA e European Medicines Agency – EMA.

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Voxzogo é indicado para pacientes diagnosticados com Acondroplasia a partir dos 2 anos de idade, o tratamento é contínuo, devendo ser interrompido quando foi identificado pelo médico assistente o fechamento das placas de crescimento, que costuma ocorrer com a puberdade.[4]

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Entretanto, a nova tecnologia ainda não foi incorporada ao rol de medicamentos fornecido pelo SUS (RENAME) o que impossibilita o acesso de inúmeros pacientes que possuem recomendação médica ao único tratamento existente para a patologia.

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Por se tratar de medicamento de alto custo, cuja quantidade suficiente para 1 mês de tratamento represente uma média de R$ 32.000,00, os requerimentos administrativos junto aos Municípios, Estados e União resultam em negativas de fornecimento, na maioria das vezes por omissão, o que leva a necessidade de judicialização para que se obtenha o melhor, e no caso de pacientes com Acondroplasia, o único tratamento que pode lhe garantir saúde e melhor qualidade de vida.

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Assim a judicialização acaba por ser o único meio de possibilitar para as crianças com Acondroplasia a possibilidade de ter acesso ao tratamento que pode mudar a sua história de vida.

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O Superior Tribunal de Justiça, através do julgamento do REsp 1657156/RJ (TEMA 106) firmou tese sobre a obrigatoriedade do poder público de fornecer medicamentos não incorporados em atos normativos do SUS:
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1. i) Comprovação, por meio de laudo médico fundamentado e circunstanciado expedido por médico que assiste o paciente, da imprescindibilidade ou necessidade do medicamento, assim como da ineficácia, para o tratamento da moléstia, dos fármacos fornecidos pelo SUS;
ii) incapacidade financeira de arcar com o custo do medicamento prescrito;
iii) existência de registro do medicamento na ANVISA, observados os usos autorizados pela agência.

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A disposição do artigo 196 da Constituição Federal não deixa margem para dúvidas: “A saúde é direito de todos e dever do Estado”.

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Não se desconsidera ainda que a disposição prevista no artigo 198, II da Constituição Federal, que fixa como diretrizes das ações e serviços públicos o atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais, mas, a defesa Estatal costuma ser pautada na escassez de recursos, e no enredo que fornecer o tratamento não-padronizado, essencial a vida e a saúde, seria “sacrificar” milhões para salvar uma vida, ou seja, pautam sua defesa no princípio da “Reserva do Possível”.

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Quando se fala em Judicialização da Saúde, deve-se analisar o ser humano, o direito ao acesso a mais plena e efetiva saúde, a todos os meios comprovadamente eficazes e disponíveis para propiciar a todos os cidadãos, o acesso aos tratamentos e tecnologias em saúde que necessitam, de forma equânime, afinal, não seria a equidade um princípio basilar da saúde pública no Brasil?

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Nunca será sobre sacrificar milhões em benefício de um, mas, sobre salvar todos, dando a cada um aquilo que lhe é por direito de acordo com as suas necessidades, em cumprimento aos princípios fundamentais esculpidos na Constituição Federal, em especial a Dignidade da Pessoa Humana, afinal, toda vida humana importa.

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As pessoas com condições e doenças raras importam!

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Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da AASP .

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[1]https://www.gov.br/anvisa/ptbr/assuntos/medicamentos/novos-medicamentos-e indicacoes/voxzogo-vosoritida-novo-registro

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[2]https://www.hospitalinfantilsabara.org.br/sintomas-doencas tratamentos/acondroplasia-ou-nanismo/

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[3] https://www.gov.br/anvisa/pt-br/assuntos/medicamentos/novos-medicamentos-e-indicacoes/voxzogo-vosoritida-novo-registro

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[4]https://www.ema.europa.eu/en/documents/product-information/voxzogo-epar-product-information_pt.pdf

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Danielly Kelly da Silva Campos

Minibio: Advogada. Especialista em Direito Processual Civil (Damásio de Jesus). Especialista em Direito do Trabalho (Escola Paulista de Direito). Pós-Graduanda em Direito Médico, Odontológico e da Saúde (Escola Paulista de Direito). Vice-Presidente da Comissão de Direito Médico e da Saúde da 39ª Subseção da OAB triênio 2022/2024.

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