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Entrevista com a desembargadora do TRF-3, Marisa Ferreira dos Santos

“Hoje é muito difícil entender e aceitar que o povo tenha que pagar a conta da reforma previdenciária”.

No fim de 2016, o governo federal anunciou uma proposta de reforma da Previdência. A polêmica proposta prevê alteração das regras de transição, como a idade mínima para aposentadoria, maior tempo de contribuição, novos cálculos do benefício e demais fatores previdenciários.

O texto final ainda precisa ser aprovado e submetido a apreciação do Congresso. Aproveitando participação em ciclo de palestras sobre o tema na AASP, conversamos com a desembargadora do TRF-3 e mestre em Direito Previdenciário pela PUC-SP, Marisa Ferreira dos Santos.

Acompanhe:

Regras de transição

No caso ela as prevê e erraria se não previsse. Na minha opinião, as regras de transição são extremante prejudiciais tanto no regime geral quanto no regime do servidor público. Parece-me que começar agora com estas regras, propostas pela reforma, dá para fazer um planejamento para o futuro, mas pegar quem está no meio do caminho, estabelecendo idade mínima que não tínhamos antes, com um cálculo totalmente gravoso e injusto, parece estas regras, se passarem, irão suscitar sem dúvida uma grande briga judicial.

Reformas recentes

Pelo que a gente tem na PEC, estas regras que nós já consideramos extremamente gravosas caem e são substituídas por outras piores, bem mais preocupantes. O que me parece é que a reforma peca por este exagero; tanto que estas novas regras, para quem ingressa agora, não serão um grande problema, mas a discussão irá se acirrar no Congresso, com as entidades, com os servidores, justamente nas regras de transição. Em minha opinião elas aproveitam mal o tempo anterior de contribuição,  apresentando uma norma geral para pessoas que evidentemente estão em situações diferentes. A gente tem pessoas no serviço público, por exemplo, que ingressaram antes da Emenda n° 20 ( 15/2 DE 1998) e até hoje não completaram os requisitos para se aposentarem. Passaram pelas Emendas n°s 20, 41 e 45 e ainda não conseguiram se aposentar e, quanto mais tempo passa, mais gravosas ficam as regras. Com isso, a ideia da aposentadoria fica cada vez mais distante. Não que a pessoas não vá se aposentar, ela até se aposenta, mas sempre será prejudicada no cálculo. Então, esta que me parece ser a grande questão e é aí que a reforma peca e é onde irá pegar na discussão do Congresso.

Desembargadora Marisa Ferreira dos Santos durante palestra na AASP

Garantia de benefícios

Não há como se garantir nada disto, porque, com as normas que estão em vigor, o constituinte deixou para a lei ordinária estabelecer os períodos de carência e os requisitos para os benefícios. Poucos requisitos estão claros na Constituição. As regras para a aposentadoria, a carência dos benefícios, todos ficaram para a legislação ordinária, o próprio cálculo do valor dos benefícios antigamente tinha um período estabelecido na Constituição e foi deixado para a lei ordinária com a Emenda n°20 e daí pra cá só se perdeu. A lei ordinária tem um quórum muito simples para ser aprovada, diferente de uma emenda complementar e uma emenda constitucional. Daí a facilidade de se mexer nas regras da Previdência.

Bases sociais

Tudo é um obstáculo. Hoje vivemos diversas situações de crise no Brasil, a crise social, a neural, a econômica, e uma está ligada na outra. Então, o que a gente tem? Por um lado a crise econômica que acaba levando os trabalhadores para atividades informais nas quais muitos não contribuem. Por outro lado, a crise moral faz com que aquele que tem o poder econômico se aproveite deste trabalhador que não pode contribuir. Por último, uma grave crise moral no Congresso Nacional; um Legislativo e um executivo sinistrado e corrupto. Hoje é muito difícil entender e aceitar que o povo tenha que pagar a conta da reforma previdenciária, que hoje é mais difícil de aposentar, ter o valor do seu benefício diminuído, após realizar altas contribuições durante a vida. Dá a entender que o nosso dinheiro foi para o ralo nos últimos três, quatro anos. Todos os dias abrimos os jornais e está lá mais uma notícia dizendo que nosso dinheiro foi para o ralo ou para o bolso de alguém, pela corrupção. Fica difícil aceitar que tenha um rombo na Previdência, que não temos dinheiro para a saúde, que não temos dinheiro para o transporte público, para a segurança pública, onde tanto se levou. Somando todos estes valores que saem na imprensa, temos a certeza de que o Brasil é um país muito rico, porém este dinheiro não reverte para o povo.

Rombo na Previdência (Partindo do princípio da nota elaborada pela Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal (Anfip) que em 2014, divulgou nota afirmando que sobraram R$ 54 bilhões no caixa da Seguridade Social).

O problema do rombo, em minha opinião, é que: a gente ouve que tem rombo e que não tem rombo. Em qual das pontas eu devo acreditar? É difícil. Eu não tenho acesso direto. Em matéria de argumentos, não acredito muito em nenhuma das partes. Não acredito nem que o rombo seja do tamanho que dizem nem que haja este superávit. Normalmente se manipulam dados, principalmente sabendo dos desvios dos recursos públicos que temos visto nos últimos anos. Perde-se credibilidade. Qualquer um que fale em rombo em superávit terá que mostrar esta conta, como se chegou a este resultado. Caso contrário não tem a minha credibilidade. Na verdade não acredito em nenhum deles.

Fonte: Núcleo de Comunicação AASP

 

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