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Cenário empreendedor abre espaço para startups diante das falhas de mercado

“A tecnologia deve ser enxergada como aliada, um instrumento que vem para desempenhar as atividades triviais, repetitivas, que, embora demandem baixa capacidade intelectual, podem consumir muito do físico.”

O advogado tem um papel importante no universo das startups, pois se trata de uma figura essencial diante de questões burocráticas que envolvem um novo negócio. Mas não é só isso.

Validar uma ideia e colocá-la em prática necessita de conhecimentos; sobretudo, uma boa dose de criatividade. Isso porque os fatos sociais, num cenário de 4ª revolução industrial, são criados e modificados com uma velocidade muita rápida, como explica o advogado, mestre em Direito Econômico e pesquisador em startups Torben Maia, que recentemente esteve conosco para um curso sobre Direito de Startups.

Confira o nosso bate-papo com ele:

Pensando no cenário atual de empreendedorismo, como um escritório tradicional se diferencia de uma startup?

Torben Maia: Sem sombra de dúvidas as lawtechs e legaltechs entraram no mercado jurídico para competirem diretamente com os escritórios de advocacia. A finalidade do Direito é pacificar os conflitos através da resolução dos problemas sociais que são levados para os operadores. Nós, advogados, fomos e somos treinados para resolver as lides ordinariamente por meio do Judiciário, uma máquina que apresenta grandes sinais de falência, posto que a maioria dos casos não é resolvida com eficiência: custa caro, é lento e apresenta decisões incongruentes.

Assim, é dentro dessa falha de mercado que surgem as soluções alternativas que começam a ser prestadas através de startups. Nessa toada, o escritório tradicional de advocacia ou o advogado que pretende se diferenciar de uma startup que possui um produto igual ao seu – podendo ser citado o caso dos atrasos de voos, para os quais essas empresas conseguem um acordo sem sequer judicializar a demanda –precisa cada vez mais se debruçar sobre a operação estratégica para o mercado.

A tecnologia deve ser enxergada como aliada, um instrumento que vem para desempenhar as atividades triviais, repetitivas, que, embora demandem baixa capacidade intelectual, podem consumir muito do físico. A modernização, quando implementada, possibilita que as pessoas direcionem o máximo de sua capacidade racional para ações mais efetivas e rentáveis para o escritório e para os seus clientes.

Um produto ou serviço de uma startup, quando vai para o mercado, sai com uma solução muitas vezes padrão, que precisa ser repetível e escalável. Assim, os escritórios podem se diferenciar das startups fazendo o que elas não fazem: pensar fora da caixa.

O Direito Empresarial atual consegue atender as demandas do mercado de startups?

Torben Maia: Atuar no jurídico de startups demanda, sobretudo, muita criatividade. Isso porque os fatos sociais, sobretudo num cenário de 4ª revolução industrial, são criados e modificados com uma velocidade muito rápida, e o Direito não acompanha pari passu essas atualizações com a velocidade desejada.

Assim, é dentro desse contexto que cabe ao operador unicamente se utilizar das estruturas jurídicas postas para trazer a maior segurança e eficiência jurídica possível para o seu cliente. Como o Código Civil possibilita uma configuração de negócio jurídico muito ampla, e agora com a recém-promulgada Lei da Liberdade Econômica, que concede uma força muito grande para os contratos, até mesmo superior à legislação em vigor, acredito que seja possível atender às demandas do mercado de startups sim, embora isso não dispense uma luta para que novas legislações surjam para suprir as demandas.

Existem leis ou políticas públicas que orientam a criação de contratos ou outros institutos específicos voltados para startups?

Torben Maia: Em 2019 foi promulgada a Lei Complementar nº 167, considerada o marco legal para as startups no Brasil. Isso porque, dentre os seus dispositivos, essa norma criou o Inova Simples, um sistema especial simplificado e desburocratizado para incentivar a criação e o desenvolvimento dessas empresas.

Esse é o exemplo brasileiro mais emblemático de legislação voltada para essas empresas, que facilita a abertura e fechamento de CNPJ, registro de marcas e patentes e um incentivo fiscal para investimento nesse setor. Então, em âmbito federal, a situação posta é essa. Existem também em tramitação no Congresso Nacional outras normas específicas direcionadas para startups, com destaque para o Projeto de Lei Complementar nº 146/2019 da Câmara dos Deputados, batizado de Marco Legal das Startups. Esse texto cria a figura da Sociedade Anônima Simplificada, traz isenção de taxas cartorárias e cria relações trabalhistas diferenciadas para essas empresas.

Do ponto de vista estadual e municipal, já há em vigor em várias cidades e municípios legislações com a mesma intenção, mas sobretudo em razão da competência para legislar conferida a esses entes federados. A política pública praticada por esses vai mais na linha da criação de polos tecnológicos que funcionam como incubadoras, conferindo diminuição da carga tributária municipal e estadual como forma de incentivar o desenvolvimento dessas empresas no seu início.

Venture capital ainda é uma das principais fontes de financiamento das startups? Como ele é aplicado aqui no Brasil?

Torben Maia:  O setor de investimento em startups é mais peculiar do que o de outras empresas. Isso se dá em razão da capacidade de crescimento que uma startup pode apresentar, caso o seu produto ou serviço seja chancelado pelo mercado e ela consiga escalar as suas vendas, tornando-se um ativo extremamente interessante para investidores.

Um fato comum a boa parte das startups se dá pelo fato de que muitas delas conseguem replicar o seu modelo de negócios em outros mercados, sem crescer o custo de sua produção na mesma proporção em que cresce o seu faturamento, seja porque trabalha com produtos digitais ou porque a tecnologia proporcionou a redução dos custos. Assim, um investidor que acompanhar uma startup desde seu início até o seu sucesso pode conseguir rendimentos inalcançáveis no mesmo lapso de tempo e percentual do que com outras opções.

Dessa forma, torna-se interessante adquirir parte do capital social da empresa no seu início, para que, no futuro, caso ela se torne valiosa, se consiga monetizar com a valorização das ações/cotas da companhia. Essa realidade das startups, portanto, aqueceu consideravelmente o ecossistema de investimentos nesse setor em âmbito global. Embora seja um investimento de baixa liquidez e com resultados a médio/longo prazo, com riscos e retornos mais elevados, o private equity é considerado um importante motor de financiamento dessas empresas.

A FGV e a Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI) realizaram em 2018 o 2º Censo Brasileiro da indústria de Private Equity e Venture Capital, e verificou-se que, no Brasil, a proporção do capital comprometido dessa indústria em relação ao PIB vem crescendo paulatinamente, saltando de 1% em 2004 para 2% em 2008 e 2,33% em 2009, ainda distante um pouco dos países que possuem tradição em private equity e venture capital, a exemplo dos EUA e da Inglaterra, que apresentam índices, respectivamente, de 3,7% e 4,7% dos seus PIBs.

No Brasil, a aplicação desse instituto é realizada maciçamente por meio de fundos pensão, organização-mãe e instituições financeiras. Mas, com o passar dos anos, há uma crescente cada vez maior de fundos autônomos, sobretudo com a promulgação da Lei da Liberdade Econômica, que incluiu alguns artigos no Código Civil que regulamentam os fundos de investimentos, tornando-se verdadeiro incentivo à criação de novos fundos.

Atualmente, qual o maior obstáculo para o desenvolvimento de startups no Brasil?

Torben Maia: O Brasil ainda é considerado um país burocrático para empreender, com carga tributária e trabalhista alta e complexa. Há uma movimentação capitaneada por parte do governo federal com a intenção de pelo menos simplificar os procedimentos, é o que falam da proposta de reforma administrativa e tributária em tramitação no Congresso Nacional. É comum ouvirmos falar do Custo Brasil como sendo a expressão utilizada pelos empresários para descrever um conjunto de dificuldades estruturais, burocráticas e econômicas que torna caro e compromete os investimentos no setor privado brasileiro.

Esse panorama impacta direto o desenvolvimento de startups, posto que são empresas que apresentam um grau de incerteza ainda maior sobre o seu modelo de negócios, que ainda não se encontra validado perante o mercado. Assim, todo esse contexto é ainda mais intensificado para as startups, que, antes de caírem na disputa em condições de igual competência com os seus concorrentes, vão primeiramente descobrir a utilidade e aceitação do seu produto.

É por isso que essas empresas, e há um entendimento legislativo nesse sentido, demandam uma atenção maior no início das suas atividades, para que elas consigam se consolidar e promover disrupção no mercado. Hoje em dia, os grandes países, aqueles que alcançam e promovem desenvolvimento no século XXI, são aqueles que produzem e exportam tecnologia. O Brasil precisa acordar para isso, para que possa investir mais em estrutura, em ciência e em tecnologia, e  consiga proporcionar um ambiente adequado de desenvolvimento do seu setor produtivo, do qual as startups já fazem parte, e irão compor uma parcela cada vez maior com o passar dos anos.

Qual a dica para o advogado que deseja atuar no ramo das startups?

Torben Maia: Trabalhar para startups na área jurídica é possível através de diversas maneiras: sendo jurídico interno da empresa, prestando pontualmente uma consultoria jurídica para um caso específico, a exemplo do impacto de uma alteração legislativa, redigindo negócios jurídicos ou até mesmo atuando do outro lado do balcão para prestadores de serviços para startups, investidores interessados no negócio ou compradores  da companhia.

Dessa forma, a primeira dica para o operador jurídico que pretende atuar nesse ecossistema seria definir qual vertente mais lhe atrai ou em qual setor dentre os disponíveis pretende seguir uma carreira.

Definido isto, deve-se buscar a qualificação técnica para a área escolhida, de modo que consiga entregar o resultado efetivo para os seus clientes, pois de nada adianta um bom comercial que consegue angariar clientes, mas não consegue entregar o resultado satisfatório. Essa entrega é muito complexa, porque a satisfação do cliente passa tanto por um profissional qualificado do ponto de vista da técnica jurídica, que domina o assunto que está sendo debatido, quanto que tenha, sobretudo, jogo de cintura e perspicácia para conseguir ser estratégico na hora de agir.

O ordenamento jurídico brasileiro possibilita muitas atitudes diante de casos concretos, havendo interpretação para todos os gostos, e é essa pluralidade de opções que possibilita a criatividade jurídica para que, dentro da legalidade, o advogado consiga trazer para o seu constituinte um resultado interessante.

Depois de escolhida a área de atuação e alcançada a capacitação técnica necessária, também é preciso ser visto pelo mercado como um profissional qualificado para as demandas dos clientes. É desempenhar um trabalho sobre a sua imagem, para que seja enxergado como advogado e como um bom profissional, sendo lembrado como alguém que possa resolver os problemas quando eles eventualmente surjam.

Fonte: Núcleo de Comunicação AASP

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