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Terras Indígenas e a Paz Social

Autor: Plínio Gustavo Prado Garcia

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Data de produção: 21/09/2023

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O artigo 231 da vigente Constituição Federal afirma serem reconhecidos aos indígenas sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens.

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Com base nessa expressão “terras que tradicionalmente ocupam” essa questão está sendo discutida e decidida no Supremo Tribunal Federal no âmbito do chamado processo do marco temporal para sua demarcação.

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Até agora, o que ali vemos é o Supremo invadindo competência legislativa do Congresso Nacional, com consequente nulidade da decisão que está sendo adotada.

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Caminha essa decisão no sentido de que as terras ainda não demarcadas como tradicionalmente ocupadas por indígenas devam a eles ser preservadas, indenizando-se os não indígenas por sua ocupação.

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Erro evidente

Esse erro está em atribuir ao ato administrativo da demarcação efeitos jurídicos que não tem. Isso porque a demarcação, como ato administrativo que é, tem efeitos meramente declaratórios. Não tem efeitos constitutivos.

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A classificação das terras

Podemos classificar as terras em três categorias: 1) as sem qualquer ocupação humana, que este autor denomina como “terras livres”; 2) terras tradicionalmente ocupadas por nativos, e 3) terras ocupadas por não nativos.

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Esta terceira categoria pode se desdobrar em duas subespécies: a) a dos nativos como povos originários, e os nativos que deles não descendam.

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No continente americano, já tínhamos sua ocupação parcial pelos povos originários. Parcial porque nem todo o território das Américas tinha ocupação humana. Fato que se estende aos dias atuais.

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São também nativos os descendentes dos colonizadores que se estabeleceram nos solos deste nosso continente. E, neste nosso Brasil, prevalecem os de ancestralidade latina, os latino-americanos, mais especificamente incluídos, como os indígenas, na categoria de cidadãos brasileiros.

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Não se pode negar aos brasileiros descendentes dos colonizadores europeus e mesmo de ascendência africana, a igualdade de direitos com os povos indígenas no tocante à ocupação do solo brasileiro.

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Conforme o comando constitucional, todos são iguais perante a lei.

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A paz social

Objeto preeminente da administração da justiça é a paz social.

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Desse dever não se afasta o Supremo Tribunal Federal.

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Da interpretação conforme

Assim, deve o Supremo dar à Constituição interpretação conforme e sem redução de texto, que conduza à paz social.

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Nessa interpretação conforme a Constituição e sem redução de texto, especialmente quanto ao disposto no seu artigo 231, se torna imprescindível considerar alguns inarredáveis fatores históricos e suas consequências jurídicas.

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Esse artigo impõe à União o dever de demarcar as terras tradicionalmente ocupadas por indígenas.

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O brocardo “Ex facto oritur jus”

Prevalece no Direito o brocardo latino “ex facto oritur jus”. Ou seja, o Direito decorre do fato que o anteceda.

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Disso se extraem algumas consequências: o fato histórico antecedente a cada demarcação, e como tratar juridicamente esses efeitos.

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Erra o Supremo ao ignorar o fato histórico de cada terra a ser demarcada como tradicionalmente ocupada por indígenas. Parte do equivocado entendimento que toda terra antes indígena aos indígenas deva reverter.

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O fato histórico

Entretanto, a linha divisória entre a terra demarcável e a não demarcável depende de uma exclusiva situação de fato histórico: se foi ou passou a ser ocupada por não indígenas.

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Nesse caso, a ocupação tradicional foi interrompida por fatos de terceiros. A par do fato de que pode ser ou ter sido por ato dos próprios indígenas.

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Como “ex facto oritur jus”, devem ser mantidos em antigas terras tradicionalmente ocupadas por indígenas os não-indígenas que passaram a ocupá-las.

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E, por consequência, somente as terras livres dessa ocupação por não-indígenas poderão ser demarcadas como tradicionalmente ocupadas por indígenas.

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Esbulho possessório

Em suma, é isso que cabe ao Supremo decidir. Desalojar os não indígenas de terras ainda não demarcadas pela União constitui evidente esbulho possessório. Mesmo que assegure aos não-indígenas direito de indenização. E isso em nada contribui para a paz social.

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Da defesa dos ocupantes de terras antigamente indígenas

Em suma, os descendentes dos colonizadores de nosso Brasil, dos escravos africanos e de outras tantas origens estrangeiras não podem ficar privados do direito às terras já por eles ocupadas no território brasileiro. Devem nelas ser mantidos!

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A União, via FUNAI, só poderá demarcar como terras tradicionalmente ocupadas por indígenas aquelas terras em que essa ocupação não tenha sido interrompida por abandono pelos próprios indígenas, ou em que essa interrupção não tenha sido produzida pela ocupação por não indígenas. O fato histórico de cada ocupação constituirá o marco temporal a ser aí aplicável.

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Como escrito acima, tradição também se quebra, por fatos próprios ou de terceiros.

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Os não indígenas não podem ser responsabilizados pela ocupação de terras não demarcadas pela FUNAI.

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Que a União, então, ofereça aos indígenas outras terras livres ou os indenize por sua omissão ao deixar de demarcá-las.

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A história caminha para frente. Não se a refaz. Laudos antropológicos são retratos do passado. Não fazem o passado renascer.

 

Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da AASP .

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Plínio Gustavo Prado Garcia

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Minibio: O autor é veterano advogado em São Paulo (USP, 1962); Mestre em Direito Comparado – Prática Americana pela George Washington University de Washington, D.C; ex-professor de Direito Civil (UNIFMU).

 

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