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40 anos de formatura da turma Faculdade de Direito e 120 da Fadir – UFC

Autor: Hermano Leitão

 

Data de produção: 30/10/2023

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O interregno de um século e duas décadas pode ser dividido em três períodos de quarenta anos – (1903 – 1943), (1943 – 1983) (1983 – 2023) -, para efeito de distinguir gerações, reler fatos históricos que formaram cada uma e o legado para a geração subsequente. Essa forma analítica temporal é um reflexo da leitura de A Terceira Onda de Alvim Toffler, na proposta de compartimentar três ciclos civilizatórios: das atividades agrícolas, da fase industrial e da era da informação, cujos eventos em cada um impulsionam novas estruturas de conhecimento e paradigmas evolutivos.

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Em relação à bagagem recebida e encaminhamento de legado, a inspiração decorre da proposta de Tratado sobre a Burrice ao Alcance de Todos , na divisão de três ciclos: 1) da formação sobre o volume de informações que se recebe, diante do qual o indivíduo tem instrumentos disponíveis para associações e análises, que o levaria a compreensão dos fatos e capacidade de interagir conscientemente no seu meio; 2) da operação, quando completa o ciclo de informações que o habilitariam a imitar os comportamentos matizados em sua consciência, principalmente por impulso de acomodação e poder de articulação; e 3) a da superação de dar rumo a sua vida, em virtude de poder ter os instrumentos necessários para assumir o papel de seu próprio mediador.

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Esse estratagema decorreu de se deparar com a comemoração, no dia 18 de novembro de 2023, dos 40 anos de formatura da Turma Faculdade de Direito e dos 120 anos da criação (21 de fevereiro de 1903), da Faculdade de Direito (FADIR), que, em dezembro 1954, foi reunida com a Escola de Agronomia, a Faculdade de Medicina e a Faculdade de Farmácia e Odontologia com a finalidade de instituir a Universidade Federal do Ceará.

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Nesse ideário, a PRIMEIRA GERAÇÃO (1903 – 1943) recebeu o legado da Lei Áurea, da proclamação da República, da Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil ou Constituição Republicana de 1891, que estabeleceu a separação e independência entre os Poderes, extinguiu o Poder Moderador, preconizou a laicidade do Estado e institui o habeas corpus.

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No decorrer dessa geração, houve a Revolução de 1930, sob a presidência de Getúlio Vargas, que governava de forma autocrata, por meio da edição de decretos. Contra essa concentração de poder, eclodiu a Revolução Constitucionalista de 1932, ocorrida em São Paulo, cujo fruto foi a elaboração da Constituição de 1934, que já estabelecia no artigo 2º que “todos os poderes emanam do povo e em nome dele são exercidos”, além de consagrar o voto obrigatório e secreto e do direito de voto às mulheres, a criação da Justiça Eleitoral e do Trabalho e uma nova organização da Justiça no país, com o aprimoramento do controle de constitucionalidade das leis e dos atos normativos, instituição do Ministério Público, do Tribunal de Contas, e dos institutos do mandado de segurança e da ação popular.

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No entanto, em retrocesso, essa Carta foi revogada para a entrada em vigor da Constituição de 1937, criada para consolidar o Estado Novo e a ditadura da Era Vargas, inspirada nos regimes totalitários em ascensão na Europa no período que antecedeu a Segunda Guerra Mundial. No texto, foi instituída a pena de morte, suprimidas liberdades individuais e os partidos políticos e extinta a independência dos demais poderes da República.

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Já a SEGUNDA GERAÇÃO (1943 – 1983) protagonizou uma retomada da democracia por meio da promulgação da Constituição de 1946, que reinstituiu os preceitos da Carta liberal de 1934, tais como direitos individuais, independência dos Poderes da República e a harmonia entre eles, autonomia dos estados e municípios, pluralidade partidária, direitos trabalhistas e a instituição de eleição direta para presidente da República, com mandato de cinco anos. Em meio à “Guerra Fria”, crise no Oriente Médio, escalada armamentista, no cenário externo, e crise política interna a partir da renúncia de Jânio Quadros ao cargo de presidente da República, foi instalado em 1964 o Regime Militar com a manutenção do funcionamento do Congresso Nacional, contudo seus poderes e prerrogativas eram controlados “em nome da segurança nacional”. E em 1967, o Congresso Nacional promulgou a Constituição de 1967, marcada por autoritarismo e concentração de poderes na União, supressão de garantias políticas, adoção da eleição indireta para presidente da República em Colégio Eleitoral.

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O texto foi diversas vezes emendado, por meio de atos institucionais e atos complementares decretados entre 1964 e 1969. O mais conhecido deles foi o Ato Institucional nº 5, de 13 de dezembro de 1968, que levou ao fechamento do Congresso Nacional, à supressão de direitos e garantias do cidadão, à proibição de reuniões, à imposição da censura aos meios de comunicação e expressões artísticas, à suspensão do habeas corpus para os crimes políticos, à autorização para intervenção federal em estados e municípios e decretação de estado de sítio. Após um período de restrições severas, o presidente João Batista de Figueiredo promulgou a “Lei de Anistia”, em agosto de 1979, como parte do processo que chamou de “abertura lenta e gradual da política”.

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No final desse ciclo, em 1983, eclodiu um movimento por eleições diretas, apelidado de “diretas já” para Presidente da República, a partir da apresentação pelo Deputado Dante de Oliveira, PMDB-MT, de uma emenda constitucional com idêntico objetivo. No cenário externo, houve a Guerra dos Seis Dias, ou Terceira Guerra árabe-israelense, que foi travada entre os dias 5 e 10 de junho de 1967, a ter de um lado do conflito as forças armadas do Estado de Israel e, do outro, as do Egito, Síria, Jordânia e Iraque, que, por sua vez, receberam o apoio de Kuwait, Líbia, Arábia Saudita, Argélia e Sudão. Já Segunda Guerra Mundial durou de 1939 a 1945, no confronto das duas alianças militares opostas: os Aliados e o Eixo, marcada pelo Holocausto e pela única vez em que armas nucleares foram utilizadas em combate. Mais adiante, a Guerra do Yom Kippur, em 1973, decorrente da ação militar realizada em feriado religioso judaico, resultou no boicote dos países árabes produtores de petróleo e membros da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP) aos países que apoiaram Israel, com consequências econômicas gravíssimas para o Brasil.

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No campo da tecnologia, com o intuito de facilitar a troca de informações, o Departamento de Defesa dos Estados Unidos (ARPA – Advanced Research Projects Agency) criou um sistema chamado de Arpanet de compartilhamento de informações entre pessoas distantes geograficamente. Assim, no dia 29 de outubro de 1969 foi estabelecida a primeira conexão entre a Universidade da Califórnia e o Instituto de Pesquisa de Stanford. Foi um momento histórico, em virtude de ter sido enviado o primeiro e-mail.

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A TERCEIRA GERAÇÃO (1983 – 2023), embalada pelos comícios das “diretas já” e apesar da derrota em 25 de abril de 1984 no Congresso Nacional da Emenda Dante de Oliveira, e da frustração pela morte de Tancredo Neves, eleito presidente em 15 de janeiro de 1985 no Colégio Eleitoral, alcança a plenitude da redemocratização com a promulgação da Constituição de 1988, denominada por Ulisses Guimarães como Carta Cidadã. Os movimentos populares dessa geração também protagonizaram os impeachments de presidentes, em 1992, de Fernando Collor de Mello, que renunciou ao cargo antes de finalizado o processo de cassação, porém os parlamentares decidiram que o presidente não poderia evitar o processo, em razão da apresentação tardia da carta de renúncia, e, assim, Collor foi condenado à perda do mandato e à inelegibilidade por oito anos; e, em 2016, Dilma Rousseff teve o mandato cassado, porém lhe foram preservados os direitos políticos.

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Nesse período histórico, irromperam escândalos de corrupção denominados de Mensalão e de Petrolão, que, por intermédio da Operação Lava-Jato, culminou na prisão de Luiz Inácio Lula da Silva, mas, por intensa litigância no Supremo Tribunal Federal, obteve a restauração da presunção de inocência sob a alegação de que não teria havido o devido processo legal. No caso, o STF referendou a decisão do ministro Edson Fachin, ao declarar a incompetência da 13ª Vara da Justiça Federal de Curitiba (PR), anulou as ações penais contra o ex-presidente Lula da Silva por não se enquadrarem no contexto da operação Lava Jato. No exterior, a “Guerra Fria” chegou ao fim em 1989, simbolizado pela queda do muro de Berlim.

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Nesse mesmo ano, o mundo se deparou com o início da globalização e com a criação da Rede Mundial de Computadores (World Wide Web – www) – Internet, cujo navegador ou browser foi desenvolvido pelo cientista, físico e professor britânico Tim Berners-Lee. Desde então, o mundo experimenta uma exponencial interação virtual entre indivíduos e instituições rumo a uma governança globalizada por meio de inteligência artificial, tal como preconizado no romance Mil Novecentos e Oitenta e Quatro, ou 1984, do escritor britânico George Orwell. 

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Então, passados 120 anos, essa terceira geração comemora a conquista de instrumentos necessários para ter autonomia como cidadão do mundo e lega um admirável mundo novo de interações autômatas, ilimitadas e infinitas, mas sem perder a ternura, tal como  ocorreu com o impulso de escrever esse texto, que, por causa de uma postagem em rede social, suscitou um encontro virtual e lembranças afetivas partilhadas entre dois amigos queridos da Turma Faculdade de Direito, e porque têm muita história para contar, em um compromisso que não se pode faltar.

Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da AASP .

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Hermano Leitão

Graduado em Direito pela Universidade Federal do Ceará. Tem experiência na área de Direito, com ênfase em Teoria Geral do Direito. Monitor de Teoria Geral do Direito sob a orientação do Professor doutor Arnaldo Vasconcelos. Pós-Graduado em Auditoria do Setor Público pela Universidade de Brasília – UnB. Diretor Tesoureiro da 150ª Subsecional da OAB-SP, e, por duas vezes, Presidente da Comissão de Ética e Disciplina. Especialista na área cível e empresarial. Autor dos livros: Lula da Silva, Pragmático ou Desnudo; Tratado sobre a Burrice ao Alcance de Todos; e Brasil, Nação sem Caráter. 

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