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Novas relações de consumo colocam Código de Defesa do Consumidor à prova

Modernidade ainda é marcante no CDC, porém acompanhar ritmo da sociedade é seu maior desafio, dizem especialistas.

Setor aéreo, combustíveis, compras pela internet, uso de aplicativos, tendências atuais que aguçam as páginas dos noticiários e testam a capacidade dos artigos do Código de Defesa do Consumidor (CDC) de se manterem modernos, artigos estes que em pouco tempo completarão três décadas em vigor.

Especialistas asseguram que o CDC trouxe muitos benefícios ao consumidor. Dentre os avanços está a maior consciência da sociedade quanto aos próprios direitos. Porém, segundo eles, o seu aprimoramento ainda é tido como desafio constante em sua aplicação.

CDC como agente econômico

Durante o 32° Encontro de Defesa do Consumidor do Estado de São Paulo, realizado pelo Procon na sede da AASP, representantes do governo, entidades e associações ligadas ao Direito do Consumidor debateram como as novas regulamentações impactam diretamente numa rotina contemporânea de consumo.

Para o secretário da Justiça e Defesa da Cidadania, Márcio Elias Rosa, é preciso avaliar o mercado atual e entender o período diferenciado que a economia atravessa. Segundo Rosa, os conflitos nas relações de consumo tendem a se dar novas formas de violação dos direitos do consumidor.

“O fato é que precisamos evoluir, pois se o comércio é voltado para sociedade de massa, nós, consumidores, também nos colocamos nesta situação. Com o consequente excesso de judicialização desta relação, me parece que a convenção coletiva passa a ter mais espaço e importância, e neste campo o protagonismo é das agencias reguladoras”, afirma.

Desjudicialização

É preciso evitar que os processos cheguem ao Judiciário. Esta é a conclusão que o secretário nacional do Consumidor, Arthur Mendonça Rollo, faz ao defender a desjudicialização. “Cerca de 70% aqui da Vara de Campinas são processos sobre relações de consumo. A gente tem um índice de resolutividade de 80% só na tratativa direta”, compara.

Rollo destaca que um aliado importante na busca pelo desafogo processual é o portal consumidor.gov.br. Lançado pelo Ministério da Justiça em junho de 2014, o portal é parecido com o popular Reclame Aqui. Nele o consumidor consegue realizar uma queixa contra a empresa e deixá-la disponível para todos os usuários. Até abril deste ano os índices de solução de conflitos na plataforma eram de 79%, passando de 600 mil reclamações.

“O consumidor.gov.br tem um potencial muito grande. Estamos tentando trazer as concessionárias de serviço público para a plataforma. Estas prestadoras de serviço público do Brasil inteiro são as maiores clientes do Procon e também as mais presentes no Judiciário em geral”, revela Rollo.

Setor aéreo

 No fim de 2016, a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) aprovou novas instruções normativas relativas aos direitos e deveres dos consumidores de serviços aéreos. Das várias mudanças previstas, a  permissão para que as empresas passassem a cobrar pelas bagagens despachadas gerou polêmicas e muitas dúvidas nos consumidores.

Com as novas regras, as companhias aéreas possuem aval para criar suas próprias políticas de despacho, a exemplo do que já ocorre em alguns países. Arthur Rollo se diz surpreso com a posição de representantes do setor aéreo. O secretário nacional afirma que o radicalismo impera no setor, ignorando qualquer estrutura ou diálogo com os órgãos de proteção ao consumidor.

“Não tenho sentido vontade alguma de dialogar por parte das empresas aéreas. Estive com a Anac, combinamos uma reunião, mas eles já estão dando a realidade como consumada e ignorando os termos de conversas anteriores. Espero que a Câmara dos Deputados atue na suspensão da resolução. Enquanto isso não for feito, e a Câmara dos Deputados não avançar nisso, a gente vai fiscalizar a implantação destas medidas nos aeroportos”, declara Rollo.

O diretor executivo da Fundação Procon-SP, Paulo Miguel, diz que as empresas aéreas forçam situações ao consumidor. “Nós teremos nos próximos dias outra reunião com a Anac e vamos tentar reverter isso. A planilha de custo do transporte aéreo não deve incluir passagens”, diz.

Marcos Diegues, consultor técnico da Associação Brasileira de Empresas Aéreas (Abear) diz que toda esta polêmica deve-se ao excesso de importância dado pela mídia ao assunto que, segundo ele, ignorou trechos das novas instruções normativas que trouxeram melhorias para o usuário do setor.

“Só se fala de bagagem! Ignoram, por exemplo, que você pode corrigir, sem ônus, o seu nome que foi digitado errado no bilhete. Não fazem ideia do que isso era, pois não havia o reconhecimento que você tinha este direito. Um simples erro. É natural que o Procon só veja coisa ruim”, alfineta Diegues.

Para Arthur Rollo não é bem assim. O secretário diz que a questão das bagagens é a que mais importa no momento por ferir diretamente o direito fundamental. “Não é picuinha!”, brada.

Na mesma linha, segue Paulo Miguel, que rechaça a comparação com a política europeia de despachos. “Como alguém vai de Porto Alegre ao Maranhão, enfrentando horas de voo, sem uma bagagem e sem um lanche decente? O Procon vai bater muito nisto”, afirma.

Comércio eletrônico

Um dos carros-chefes da era contemporânea, o comércio eletrônico ainda possui uma legislação que deve se aprofundar em políticas específicas. O Marco Civil da Internet, que recentemente completou três anos, trazendo avanços importantes em termos de transparência, ainda precisa esclarecer mudanças pontuais como o direito ao arrependimento e a proteção aos dados individuais dos usuários. É a opinião do mestre em soluções de conflito Rony Vainzof.

“É impossível acompanhar a revolução tecnológica existente. Por isso algumas questões são importantíssimas e merecem ser revistas como o direito ao arrependimento para questão de material digital como livros, músicas, revistas, talvez até mesmo modificando a legislação”, ressalta Vainzof.

O coordenador de varejo on-line da Câmara e-net, Leandro Soares, lembra que o consumo por meios eletrônicos hoje representa 4% do total no Brasil, enquanto na China os números passam dos 15%. Para ele a falta de acesso por toda a população impede números ainda mais expressivos.

“O comércio eletrônico possui três pilares, primeiro como você acessa a informação (o que incrível dizer que metade da população brasileira nunca acessou a internet); segundo: o pagamento e o terceiro é a logística para que você consiga entregar seu produto para todo o país, que possui extensões continuadas. A revolução digital passa por estes caminhos”, sustenta Soares.

Combustíveis

 Coibir as fraudes nos postos de combustíveis sempre foi um dos maiores desafios dos órgãos de defesa do consumidor. No último dia 11/5, o Estado de São Paulo ganhou uma nova lei, sancionada pelo governador Geraldo Alckmin, que cassa a licença de postos de combustíveis por fraude volumétrica. Quem for penalizado fica impedido de exercer atividade no ramo.

Para o superintendente do Instituto de Pesos e Medidas do Estado de São Paulo, Guaracy Fontes Monteiro Filho, a fraude afeta diretamente o bolso do consumidor e muita vezes é imperceptível para ele. Porém, segundo Fontes, somente uma fiscalização forte e contínua mudará esta realidade. “A fiscalização terá de ser ampla, apurando toda e qualquer denúncia que chegue à Secretaria de Justiça, ao Procon e a qualquer outro órgão”, alerta.

Aplicativos

Não se nega que a modernidade traga com ela importantes ferramentas em busca de maior rapidez e agilidade no acesso à informação. Serviços básicos e indispensáveis resolvem problemas do dia a dia como em um passe de mágica. Mas o que isto implica? Os direitos do consumidor estão mesmo assegurados?

Edney Souza, consultor de marketing e professor na ESPM, explica que o consumidor ainda não entende com quem está negociando de fato. “Ele sabe o que quer e da forma que quer, mas não tem ideia para onde está indo aquela informação, como o seu produto final chega até ele, o veiculo, a comida do fast food, um quarto de hotel, enfim”, complementa.

Para o consultor, além do conhecimento tecnológico, existe uma questão de segurança e de desconfiança que paira por trás do tablets e smartphones. “É evidente que o Procon precisará ter novos insights para desenvolver maneiras de atender este novo consumidor, entendendo como suas necessidades se relacionam com a sua segurança”, alerta.

Decisões recentes que suspenderam aplicativos de mensagens instantâneas e até mesmo as divergências entre autoridades quanto ao uso de aplicativos colocam em xeque a liberdade digital dos usuários. Para Edney, isso se deve também ao distanciamento dos legisladores com a sociedade.

“Os legisladores vivem em um mundo fantástico. Eles têm todas as despesas pagas, verba para gastos pessoais, além de não enfrentarem a realidade do dia a dia da educação, saúde e de transporte. Eles não estão conhecendo as dificuldades do hoje… Por isso é comum criarem legislações baseadas em seus próprios interesses”, diz.

Na opinião do consultor, as dificuldades para a inovação criam barreiras para investirmos na sociedade. “Vemos os surgimento de empresas que nem sempre são ótimas, incríveis e fantásticas, mas que estão criando facilidades para a população, e ao invés de simplesmente evitar que estas empresas surjam, deveriam permitir que elas atuassem em um ambiente mais seguro para a população”, conclui.

Fonte: Núcleo de Comunicação AASP

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