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Artigo: Breves apontamentos sobre o instituto da transcendência

Por Alexandre Agra Belmonte 

O Papel do Tribunal Superior do Trabalho

Tem por competência velar pela interpretação uniforme do direito objetivo e controle de sua aplicação em todo o território nacional. Ordinariamente desempenha essa função por meio do julgamento dos recursos de Revista e de Embargos. O Recurso de Revista afasta as violações da lei federal e da Constituição Federal e pacifica a jurisprudência diante de divergências de interpretação da lei entre Regionais ou decisão Regional com a jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho e do Supremo Tribunal Federal. Os Embargos (recurso interno) é o instrumento utilizado para pacificar a jurisprudência interna do TST.

Recurso de revista (art.896, Consolidação das Leis Trabalhistas)

O recurso de revista, na sua função uniformizadora de divergências em relação à interpretação e aplicação do Direito Objetivo, tem por fundamento:

  • O controle da aplicação da lei, no que corrige violações da lei federal ou da Constituição.
  • O controle da jurisprudência para:
  1. a) o ajuste das decisões regionais conflitantes a uma só interpretação e;
  2. b) o ajuste das decisões regionais à jurisprudência já pacificada no TST e em súmulas vinculantes do STF.

Para sanar violações ou resolver divergências (pressupostos intrínsecos ou de cabimento do recurso) é preciso que o apelo atenda os pressupostos extrínsecos (regularidade de apresentação). Ocorre que não basta o cabimento e a presença dos pressupostos extrínsecos de admissibilidade. O recurso de natureza extraordinária não tem por função rever a decisão e sim de adequá-lo à lei e interpretação uniforme. A revisão de fatos e provas fica restrita ao segundo grau.

A função do TST é uniformizar teses, sendo assim relevante a escolha dos processos destinados ao cumprimento de sua missão. Logo, o recurso precisa ser dotado de questão que atenda indicadores de relevância da causa. As questões veiculadas precisam transcender o interesse individual das partes, de forma a atender, entre outros, os efeitos econômicos, políticos, sociais e jurídicos quanto aos reflexos da decisão. Se a decisão atacada viola a lei federal, a CF e a jurisprudência sumulada do TST ou súmula vinculante do STF, a causa tem relevância suficiente para merecer apreciação, oferecendo transcendência política. Se a questão é nova, também oferece transcendência (jurídica). De igual sorte, se a questão debatida tem interesse social (transcendência social). Finalmente, se a condenação tem alto valor econômico e pode ensejar baque ou perigo à continuidade da empresa (transcendência econômica)

Natureza Jurídica da Transcendência

Nos termos da lei, deverá ser feito exame prévio se a causa oferece transcendência. Prévio a que? Só pode ser aos pressupostos extrínsecos e intrínsecos de exame posterior. Logo, trata-se de exame formal de relevância da questão submetida ao TST, antecedente aos pressupostos processuais. Ainda que se entenda pela transcendência capaz de levar à admissão do recurso, o critério de análise da presença dos indicadores é objetivo. O exame posterior e substancial poderá levar à constatação de aspectos que justifiquem a decisão proferida, apesar da transcendência.

A transcendência pode ser, entre outros reflexos indicadores de sua verificação:

  • Econômica
  • Política
  • Social
  • Jurídica

Os efeitos de uma decisão em Ação Civil Pública em empresa de atuação nacional pode ser outro indicador.

Transcendência econômica

Ocorre em ações com elevado valor da causa. É dirigida às condenações empresariais. Visa preservar a continuidade da atividade produtiva e a geração de empregos. Valor da causa deve ser interpretado como o valor da repercussão econômica da decisão (condenação), considerados o pleito e o porte econômico da empresa.

Transcendência política

Cuida-se do desrespeito da instância recorrida à jurisprudência sumulada do TST ou do STF. Também justificam a transcendência o desrespeito a:

  • Orientações Jurisprudenciais da SDI;
  • Teses firmadas em IRR e IAC;
  • Jurisprudência pacífica, notória e reiterada da SDI e;
  • Suspensão derivada de repercussão geral ou de suspensão por IRR ou IAC.

Transcendência social

Postulação de direito social assegurado na CF, desrespeitado na decisão recorrida. Embora aplicável apenas ao trabalhador na fase de conhecimento (por força de lei), na de execução abrange terceiros de boa-fé (direito de propriedade, notadamente bem de família). A negociação coletiva é direito dos trabalhadores e não da empresa. Os direitos sociais são os previstos nos arts.6o a 11 da CF, 10 do ADCT, pequena propriedade rural (art.5o, XXVI e os reconhecidos na legislação infraconstitucional (cotas, acomodação razoável, bem de família da lei no 8.009, de 29 de março de 1990 c/c art.5o, XXIII e 170, III, CF) e na jurisprudência.

Também assim, os direitos inespecíficos previstos no art.5o, da CF, que se tornam sociais quando aplicados nas relações de trabalho.

Transcendência jurídica

Existência de questão nova, inclusive processual, em torno da interpretação da legislação trabalhista. As questões novas, pela repetição ou pela relevância podem, inclusive, escolhidas pelo critério da transcendência, tornarem-se objeto de IRR ou de IAC (transcendência reflexa). Diante da diversidade de capítulos da decisão regional, nada impede que os indicadores de transcendência ocorram de forma cumulativa, ou que se apresentem de forma distinta nos vários capítulos da decisão submetida a julgamento.

Alega-se que a transcendência faz o TST perder a sua função corretiva da violação da lei e da uniformização da jurisprudência. Todavia, não se tratando, em análise cumulativa:

  1. a) de questão nova;
  2. b) de alto valor econômico;
  3. c) que não envolva direito social assegurado pela CF e;
  4. d) e estando a decisão recorrida em conformidade com a jurisprudência da Corte.

O que justificaria a análise da transcendência pelo Tribunal Superior do Trabalho.

A causa não oferecerá transcendência, podendo ser denegado o seguimento por despacho monocrático. Os pressupostos extrínsecos e intrínsecos nem serão apreciados. Há ministros que por não vislumbrarem os indicadores, não apreciam os óbices processuais. Outros equiparam os óbices processuais (pressupostos extrínsecos) a ausência de transcendência. Alguns que prejudicam o exame da transcendência em razão de óbices processuais (enfrentam primeiro).

A negativa de prestação jurisdicional previamente embargada e regularmente apresentada antecede o exame da transcendência, porque diz respeito à prestação incompleta da jurisdição, que prejudica o exame da verificação da transcendência. Caberá, contudo, ao relator, avaliar se a omissão é capaz ou não de fazer aflorar a transcendência. Pode o relator denegar monocraticamente seguimento total ou parcial ao recurso de revista que não demonstrar transcendência.

Da decisão monocrática proferida em recurso de revista, cabe agravo para o colegiado (§2o). No agravo, o recorrente poderá realizar sustentação oral da transcendência durante 5 minutos, em sessão (§3o). Mantido o voto, será lavrado acórdão com fundamentação sucinta, que constituirá decisão irrecorrível no âmbito do tribunal (§4o). Caso a decisão do Relator não venha a ser mantida, o processo volta a ele para o exame formal e material do Recurso de Revista.

Contudo, pode o relator, em vez de decidir monocraticamente, levar para a Turma a decisão sobre a intranscendência do recurso. Se o fizer em RR, o advogado terá 5 minutos exclusivamente para sustentar a transcendência, deliberando então o órgão, a respeito, como questão preliminar. Da decisão não caberá recurso, eis que é colegiada. Se o fizer em AIRR, não haverá sustentação oral e não caberá recurso de Agravo, por se tratar de decisão colegiada. Também não caberia se fosse decisão monocrática em AIRR.Pode qualquer componente da sessão arguir a intranscendência não arguida pelo relator. Se o fizer em RR, o advogado terá 5 minutos exclusivamente para sustentar a transcendência, deliberando então o órgão, a respeito, como questão preliminar. Se confirmada, não caberá recurso.

Pode o Relator ficar vencido na questão. Neste caso, o processo volta a ele para o exame formal e material do Recurso de Revista. Se qualquer componente da sessão arguir a intranscendência em AIRR não arguida pelo Relator, não haverá sustentação oral e o órgão deliberará. Pode o Relator ficar vencido na questão e da decisão não caberá recurso de Agravo.

É irrecorrível NO ÂMBITO DO TRIBUNAL a decisão de agravo, da inadmissibilidade do recurso de revista por falta de transcendência confirmada em colegiado (§4o). De igual sorte, a decisão da Turma sobre a intranscendência, no recurso de revista em que não houve decisão monocrática.

Transita logo em julgado e a baixa é automática?

No caso do §4o, não cabe recurso interno pelo que pode caber recurso extraordinário para o STF (mas não por afronta ao princípio da colegialidade). Cabe, de ofício ou a requerimento, correção de erro material (art.897-A, §1o, CLT), por exemplo, intranscendência de questão suspensa por repercussão geral, IRR ou IAC.

Cabe Embargos de Declaração?

Conforme o art. 897-A: Caberão embargos de declaração… admitido efeito modificativo da decisão nos casos de omissão e contradição no julgado e manifesto equívoco no exame dos pressupostos extrínsecos do recurso.

Também é irrecorrível decisão monocrática do relator que, em AIRR considerar ausente a transcendência da matéria (§5o).

Sendo irrecorrível, transita imediatamente em julgado e a baixa é automática?

Neste caso, diferentemente do §4o, a lei não diz não caber recurso NO ÂMBITO DO TRIBUNAL. Assim, além de recurso extraordinário para o STF (por eventual afronta ao princípio da colegialidade ou do direito de defesa), cabem EDs na sua função esclarecedora e em caso de omissão (matéria não analisada), contradição e manifesto equívoco no exame da transcendência.

A Súmula no 353 obsta recurso de Embargos em decisão de Turma proferida em Agravo, exceto:

  1. a) de decisão que não conhece de agravo com fundamento em falta de pressupostos extrínsecos;
  2. b) de decisão que nega provimento a agravo contra decisão monocrática com fundamento em falta de pressuposto e;
  3. c) para revisão dos pressupostos extrínsecos de admissibilidade do recurso de revista, cuja ausência haja sido declarada originariamente pela Turma no julgamento do agravo. Ocorre que o §4o do art.896-A se sobrepõe à Súmula, ao dizer que não cabe recurso NO ÂMBITO DO TRIBUNAL (caso da revista) e o §5o diz ser irrecorrível a decisão monocrática da intranscendência em AIRR. O juízo de admissibilidade do recurso de revista exercido pela Presidência dos Tribunais Regionais do Trabalho limita-se à análise dos pressupostos intrínsecos e dos demais extrínsecos do apelo. Não abrange o critério da transcendência, de exame exclusivo do TST (§ 6o). O exame é ato privativo e de iniciativa do TST. É desnecessário que se exija a demonstração pelo recorrente, embora convenha fazê-lo, das razões da relevância da apreciação do recurso para as partes envolvidas e para a coletividade. A regra da transcendência é aplicável também aos recursos adesivos.

Cabe Ação Rescisória e Mandado de Segurança?

Conforme entendimento da SDI2: Não há direito líquido e certo ou abuso de autoridade que justifiquem o MS. Contudo, Ação Rescisória: cabe. Quanto à decisão que transita em julgado, a atacável, será a Regional, porque, em princípio, ela não a substitui. Todavia, se houver exame de pressupostos extrínsecos ou intrínsecos como componente da decisão de intranscendência, será questão a ser avaliada.

ALEXANDRE DE SOUZA AGRA BELMONTE

Ministro do Tribunal Superior do Trabalho. Doutor em Justiça e Sociedade e Mestre em Direito das Relações Sociais pela UGF. Especialista em Direito Privado Aprofundado pela Universidade Federal Fluminense. Vice-presidente das Academias: Brasileira de Direito do Trabalho – ABDT e Nacional de Direito Desportivo – ANDD. Professor Titular de Mestrado do IESB.

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