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Bate-papo com Luciano Benetti Timm sobre Direito e economia

“Estudar economia não significa ser economista”, diz Luciano Benetti Timm

Confira o bate-papo que realizamos com o secretário nacional do consumidor do Ministério da Justiça, Luciano Benetti Timm, que traz suas visões a respeito da relação entre o Direito e a economia, além de apontar os caminhos para um Judiciário mais célere e igual.

Advogar ou dar aula?

Luciano Benetti Timm: A gente percebe muitas coisas quando muda de lado. Claro que tem um aspecto pessoal após 20 anos advogando; chegar a um hotel e ter que preencher o campo profissão, por exemplo. A vida inteira eu dei aula e fui advogado, mas, como dizia meu sócio, eu preenchia o formulário como advogado, e depois de duas décadas sou um servidor público. Isso é uma mudança que eu precisava experimentar, embora tenha trabalhado muito tempo com contencioso e depois arbitragem, a gente sente um pouco de falta, mas enfim…

Como é trabalhar com política pública?

Luciano Benetti Timm: Atuar com política pública pelo país é dignificante. A minha matéria de ensino, atualmente na FGV, e agora estou licenciado por razão dessa missão, é Direito e Economia. Estudar economia não significa ser economista, apenas significa que você tem que estar atento ao que está acontecendo no sistema econômico para poder atuar como advogado. É preciso perceber a mudança do sistema econômico para uma economia digital, que está trazendo toda a força da tecnologia para o exercício da advocacia.

Há dados que indicam isso?

Luciano Benetti Timm: Um dado muito próximo do advogado, não tenho como precisar, mas temos aí cerca de 80, 90 milhões de processos no Judiciário, isso é um caso único mundialmente. Sei que sempre irá existir aquele argumento favorável sobre o acesso à justiça, porém ela tem um lado perverso que é o custo. Pegue 80 milhões de casos gerando um estoque substancial de problemas não resolvidos. O Judiciário não consegue dar vazão, causando toda uma percepção para quem não é advogado, de que nós não conseguimos resolver os problemas.

Como assim?

Luciano Benetti Timm: Alguns anos atrás havia um grupo de estudos de economia e da Faculdade de Direito, após alguns diálogos, fiz uma brincadeira com um economista dizendo que tinham mania de querer acertar o futuro. Algo como: qual vai ser a taxa de juros ano que vem? Convenhamos que se trata de certas futurologias difíceis de se acertar; o economista brincou comigo: “eu acerto com mais precisão que vocês”, e tem mais, “nós acabamos com a inflação e vocês não acabaram com a corrupção”; eu parei de fazer a brincadeira, né? (risos)

É possível mensurar o quanto tal realidade impacta na economia?

Luciano Benetti Timm: Vou te dar uma ideia de custo, isso no ponto de vista orçamentário significa cerca de R$ 90 bilhões/ano, mais do que nós gastamos, por exemplo, em saneamento básico. O Brasil é um dos países em desenvolvimento da América Latina com pior nível de saneamento. Falando em opção de gastos, é plausível gastar em disputas que já foram enfrentadas pelos tribunais em vez de trabalhar uma política pública? Vamos proporcionalizar isto. Gastamos 1.3% do nosso PIB em disputas, países latino-americanos, alguns mais desenvolvidos que nós, como Chile e outros menos, porém em vias de chegar em nós, como a Colômbia, gastam 0.2%, ou seja, nós estamos gastando cinco vezes mais que nossos colegas em disputas. É de se pensar.

Boa parte desse valor vem do custo processual?

Luciano Benetti Timm: Em média, o custo de um processo estadual gira em torno de R$ 1.800,00, o federal R$ 2.700, isso dá uma média de R$ 2.000,00 por processo, por isso que nós gastamos tanto com sistema judicial, pois é caro! Se fosse no juizado especial seria um pouco menos, mas vamos fazer uma conta de padeiro atribuindo R$ 1.000,00 ao processo. Cada processo no juizado especial dura quatro anos em média, a gente está falando de R$ 4.000,00 reais. Então, eu sei que o tema do momento é de tecnologia no Direito, mas não tem como lidar com tecnologia sem fazer conta, a própria tecnologia é uma linguagem, a matemática é uma linguagem também, programa é uma linguagem, e por aí vai.

Como as futuras gerações podem se preparar para lidar com essa dinâmica?

Luciano Benetti Timm: Tempos atrás tive uma conversa com meu filho, digamos assim, o incentivei a fazer um curso de programação aos 12 anos porque é uma linguagem. Ele perguntou: pai será que eu sou obrigado? Eu falei: olha, obrigado não, mas a sua avó me obrigou de certa maneira a estudar o inglês, que é uma linguagem, então você tem que minimamente dominar algumas linguagens para ser, quem sabe, um bom advogado no futuro. Não há como não fazer conta, desculpa, não estou dizendo que é bom, mas não tem como a gente deixar para lá um processo que custa R$ 4 mil em quatro, cinco anos.

Então precisamos pensar em formas mais baratas de resolver um conflito para a sociedade quando ele é menos intenso?

Luciano Benetti Timm: Temos que pensar em negociação! Na negociação consegue-se resolver antes. Se as partes não conseguirem resolver, nós, como advogados, podemos ajudá-las a negociarem. Aliás, o Código de Ética da OAB não diz que o advogado é o primeiro juiz da causa? E é claro, a gente sabe o quanto é difícil convencer a parte a fazer acordo, é mais fácil convencê-la a entrar com uma ação judicial, por quê? E isso é uma ferramenta que chama economia comportamental. Daniel Kahneman escreveu um livro e ganhou um prêmio Nobel por isso; é o pensamento rápido intuitivo que toma decisões sem refletir, e tem o mais racional que é aquele que faz conta, o que raramente a gente utiliza, pois é o que consume mais energia. As pessoas que têm aplicado a ferramenta da psicologia com a economia comportamental ao litígio perceberam uma série de vieses, o principal deles é o do excesso de otimismo.

O que isso significa?

Luciano Benetti Timm: Que, na média, o advogado acha que vai ganhar, e todo réu acha que não vai perder, por isso que é tão difícil convencer as partes a fazer um acordo; vai ter desgaste aí, quem já trabalhou com negociação sabe. Agora se as partes não forem capazes com ajuda do advogado, aí vai ter que ir para mediação; se isso não ajudar a resolver, vai ter que escalar para uma arbitragem, mas aí vai ser mais caro, porque é jurisdicional, tem direito de defesa, a decisão tem que ser fundamentada, tem que ter direito de prova, os advogados têm escrito cada vez mais, por vários motivos; então teremos petições de 200 páginas, vai ter que ser lido, isso vai ter que ser enfrentado. E a forma mais cara de todas é o contencioso judicial.

Por vezes não se percebe isso?

Luciano Benetti Timm: Quem paga a conta disso? O contribuinte. O contencioso judicial é subsidiado pelo contribuinte, então evidentemente que a gente não nota, mas deveria notar, toda vez que vai comprar uma mercadoria, que vai viajar de avião, está ali embutido o tributo, que no Brasil é bem superior que em outros países latino-americanos.

Fonte: Núcleo de Comunicação AASP

 

 

 

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