AASP logo
AASP logo

Notícias

Advocacia cível em tempos de Covid-19

Por Clarisse Frechiani Lara Leite e Caroline Narvaez Leite

Retomada dos prazos a partir de 4 de maio e fortalecimento dos meios virtuais.

Um mês após suspender os prazos processuais e instituir o regime de plantão extraordinário em razão da pandemia de Covid-19 (Res CNJ nº 313), o CNJ editou a Resolução nº 314, de 20 de abril, determinando o retorno dos prazos nos processos eletrônicos em todo o país[1] a partir de 4 de maio. Os prazos nos processos físicos seguem por ora suspensos.

Como esclarece a Res CNJ nº 314, tendo havido mera suspensão, e não interrupção, “os prazos processuais já iniciados serão retomados no estado em que se encontravam no momento da suspensão, sendo restituídos por tempo igual ao que faltava para sua complementação (CPC, art. 22l)”.

Conquanto a suspensão estabelecida pela Res CNJ nº 313 estenda-se de 20 de março a 30 de abril, os prazos em alguns tribunais foram suspensos por período maior. No STJ, a suspensão teve início em 19 de março (Res STJ nº 5/2020); no TJSP, em 16 de março (Prov CSM nº 2.445/2020).

Para se valer dessas suspensões maiores, a parte deverá comprová-las ao interpor seu recurso especial ou extraordinário (CPC, art. 1.003, § 6º), instruindo-o com cópia do respectivo ato normativo. Assim, ao recorrer contra acórdão do TJSP, será necessário apresentar a cópia do Prov CSM nº 2.445/2020 caso a contagem do prazo tenha considerado a suspensão a partir de 16 de março.

É preciso especial atenção para o cômputo dos prazos em caso de publicações ocorridas no curso da suspensão. Como os dias da semana não deixaram de ser úteis na quarentena, e como as intimações reputam-se ocorridas no primeiro dia útil seguinte ao da disponibilização no Diário Eletrônico (CPC, art. 224, § 2º), com a retomada dos prazos, o dia 4 de maio corresponderá ao “dia 1”, e não ao seu “dia 0”. O STJ tem precedentes nesse sentido em casos de disponibilizações realizadas durante a suspensão estabelecida no art. 320 do CPC (v.g. AgInt no AREsp nº 1.468.810).

Os prazos materiais, como os de prescrição e decadência, não foram suspensos. Têm curso, pois, os prazos para a propositura de ação rescisória e impetração de mandado de segurança, que são prazos decadenciais.

Quanto ao prazo para pagamento do cumprimento de sentença, o STJ vem afirmando tratar-se de prazo processual que, na forma do art. 219 do CPC, deve ser contado em dias úteis (REsp nº 1.708.348-RJ e REsp nº 1.834.337-SP). Por essa ratio, poder-se-ia afirmar que tais prazos estão alcançados pela suspensão dos prazos processuais determinada pelo CNJ (Res CNJ nº 313, art. 5º). Todavia, no julgamento do REsp nº 1.261.856-DF, a Corte ressaltou a natureza dúplice do prazo para cumprimento da condenação (material e processual), assentando que sua faceta processual decorre do fato de a intimação realizar-se na pessoa do advogado. Com base nesse precedente, se a intimação tiver sido efetuada diretamente ao devedor – e não ao seu advogado –, é possível reputar iniciada a contagem do prazo para cumprimento da obrigação a despeito da suspensão dos prazos processuais, para o fim de incidência da multa de 10% e dos novos honorários de sucumbência (CPC, art. 523, § 1º). Com a retomada dos prazos, não há dúvida de que, no processo eletrônico, tal prazo terá curso normalmente, mesmo quando intimado o advogado.

Estabelecendo o retorno dos prazos no dia 4 de maio como regra, a Res CNJ nº 314 enunciou as situações excepcionais em que a suspensão pode ser mantida. Nos casos em geral, em que o ato processual não puder ser praticado por “meio eletrônico ou virtual, por absoluta impossibilidade técnica ou prática”, o juiz decidirá sobre seu adiamento, certificando-se nos autos (art. 3º, § 2º).

nos casos específicos de “contestação, impugnação ao cumprimento de sentença, embargos à execução, defesas preliminares de natureza cível, trabalhista e criminal, inclusive quando praticados em audiência, e outros que exijam a coleta prévia de elementos de prova juntamente […] às partes e assistidos”, a suspensão ocorrerá com o protocolo de petição, durante a fluência do prazo, informando a impossibilidade de prática do ato. Nestes últimos casos, que são de fato mais sensíveis, a parte e seu advogado terão o poder unilateral de operar a suspensão com o mero protocolo da petição realizado durante a fluência do prazo. Se, após o contraditório, constatar-se que o requerimento é infundado, o prazo será retomado dali em diante.

As regras estabelecidas nos arts. 221, 222, § 2º, e 223 do CPC também permitem a suspensão ou dilação de prazos em hipóteses de justa causa, obstáculo criado para a parte e calamidade pública.

Nos casos de urgência, o fato de uma das partes não ter condições de exercer o contraditório prévio, fazendo jus à suspensão, não deve obstar a prática do ato (CPC, art. 9º, inciso I).

No regime de plantão extraordinário, vêm sendo praticados todos os atos que se adéquam ao ambiente virtual. A distribuição eletrônica de processos segue normalmente, assim como o peticionamento eletrônico. No TJSP, em hipóteses excepcionais, admite-se peticionamento eletrônico em processos de autos físicos (Comunicado Conjunto nº 249).

Os magistrados têm proferido decisões e as intimações eletrônicas vêm sendo realizadas por portal ou Diário de Justiça eletrônico. Em especial, está assegurada a apreciação de pedidos de levantamentos, alvarás, substituição de garantias e pagamento de precatórios (Res CNJ nº 313, art. 4º, inciso VI).

Os tribunais também passaram a realizar julgamentos e audiências virtuais. Para as audiências, a Res CNJ nº 314 estabelece que sua realização por videoconferência deve “considerar as dificuldades de intimação de partes e testemunhas, realizando-se esses atos somente quando for possível a participação” de todos os envolvidos, sem que se possa imputar às partes e advogados essa responsabilidade (art. 6º, § 3º). No TJSP, o Comunicado CG nº 284/2020 disciplina a matéria, condicionando sua realização à concordância das partes, salvo se houver risco de perecimento de direitos.

Quanto aos julgamentos, em processos físicos ou eletrônicos, relacionados a qualquer matéria, o CNJ esclareceu que a suspensão dos prazos não obsta a designação de sessões virtuais. Além disso, reputou legítima a realização de julgamentos quando assegurados meios para afastamento de processos da pauta virtual, tais como: “a) objeção de quaisquer das partes ou do Ministério Público; b) pedido de preferência, apresentado tempestivamente por procurador ou defensor que pretenda realizar sustentação oral; e c) encaminhamento do feito, por iniciativa de algum dos julgadores, para debate em sessão presencial” (Consulta nº 0002337-88.2020.2.00.0000).

Dando-se o julgamento por videoconferência, como implantado, p.ex., na Res STJ/GP nº 9, fica assegurada a realização de sustentação oral pelo advogado, desde que admissível e requerida com antecedência mínima de 24 horas (Res CNJ nº 314, art. 5º, par.).

Ao disciplinar a questão no âmbito de suas próprias competências, os tribunais haverão de ter em mente as normas relativas à publicidade dos julgamentos, ao caráter indispensável da participação do advogado na administração da Justiça e ao seu direito de se dirigir diretamente aos magistrados em salas e gabinetes de trabalho e de usar da palavra pela ordem para esclarecer equívoco de fato (CF, arts. 93, inciso X, e 133; EOAB, art. 7º, incisos VIII e X). Portanto, o julgamento virtual não deverá ser realizado diante de recusa da parte.

A Res CNJ nº 314 atende ao apelo de parte da advocacia, com vista a manter a atuação judiciária o mais próximo possível da normalidade durante a pandemia, inclusive para mitigar impactos financeiros sobre jurisdicionados e advogados. Em sua implementação, magistrados e tribunais devem ter cautela e sensibilidade redobradas, para que as normas processuais, especialmente no cenário de pandemia, não se convertam em armadilhas e em fontes originárias de direitos.

[1] No STF, que não se rege pelo ato do CNJ, foram suspensos apenas os prazos de processos físicos entre 24 de março e 30 de abril de 2020 (Res STF nº 670/2020).

Clarisse Frechiani Lara Leite é advogada, mestre e doutora em Direito Processual pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Professora convidada do curso de Especialização em Processo Civil USP-AASP.

Caroline Narvaez Leite é advogada e mestre em Direito Civil pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo.

Leia também: