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Pilares do equilíbrio contratual na pandemia
A propagação da Covid-19 trouxe ao cenário jurídico as mais variadas questões e preocupações, entre elas, as consequências geradas a partir de um eventual descumprimento de cláusulas e condições contratuais diversas.
Comentando justamente os impactos em tais relações, o advogado Gustavo Tepedino traz a sua visão a respeito do assunto em série exclusiva: “Equilíbrio contratual em tempos de Pandemia”, disponível na AASPFlix. Acompanhe um trecho do conteúdo.
O fator determinante
Com a pandemia, entra em crise quase tudo, todas as nossas categorias. Especialmente nas relações contratuais, onde há um impacto enorme para muitas pessoas no sentido de manter as suas obrigações.
Nesse momento é preciso nos voltarmos aos fundamentos, aos conceitos do Direito, pois, do contrário, enfrentaremos sugestões subjetivas dos magistrados, dos intérpretes e professores, criando na verdade uma insegurança em relação à perspectiva que cada um possa ter do assunto.
O Direito Civil aplicado
Do ponto de vista do Direito Civil, nós temos o princípio do equilíbrio contratual, que por si só já é algo controvertido. Discute-se há muito tempo se nós podemos considerá-lo como novo princípio, ao lado da obrigatoriedade dos pactos e da relatividade das obrigações contratuais, como força vinculante.
Tem-se dito nos últimos anos, com bastante acolhimento na jurisprudência, que novos princípios contratuais não desfazem os anteriores, mas se somam a eles – princípios como a boa-fé, a função social do contrato e o próprio equilíbrio contratual.
O equilíbrio contratual como princípio
Discute-se se o equilíbrio contratual é realmente um princípio ou se ele se expressa de alguma outra maneira. Digo que o importante é que esse equilíbrio, seja objetivo ou subjetivo, esteja contextualizado no sentido do que as partes pretenderam.
Não se pode imaginar um equilíbrio à luz de uma visão externa. Se estamos falando de partes não vulneráveis, esse equilíbrio se dá a partir de uma locação de riscos, a partir do combinado, do sinalagma estabelecido.
E é esse equilíbrio que deverá ser mantido durante toda a relação contratual, e não um que possa ser subjetivamente avaliado por quem está de fora.
Cenários a se considerar
É possível celebrar um contrato de longa duração em que se pretende assumir riscos. Isso acontece com frequência. Essa junção de riscos há de ser expressa na precificação, assim como é possível eu não assumir riscos e ter uma precificação muito maior.
A partir dessa noção de equilíbrio, passamos a imaginar os contratos em uma época como essa, em que a pandemia tem um potencial enorme de tornar impossível determinar prestações. Só que ela não pode ser avaliada em algo abstrato e sim no caso concreto.
Por exemplo, se temos um pianista e ele precisa se apresentar na Sala São Paulo, e infelizmente ele está acometido da Covid-19, evidentemente ele está acometido de força maior e não poderá tocar. Ou se houver uma possibilidade legal pela prefeitura para que a apresentação seja cancelada, também teremos aí uma impossibilidade.
A meu ver, isso não está sendo muito bem colocado em alguns debates – discussão que deve considerar três cenários:
– O primeiro cenário é aquele em que há efetivamente força maior por expressão da pandemia nos termos do art. 393 do Código Civil brasileiro, que pela lei impossibilita a prestação de uma das partes.
“Art. 393. O devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, se expressamente não se houver por eles responsabilizado. […] O caso fortuito ou de força maior verifica-se no fato necessário, cujos efeitos não era possível evitar ou impedir.”
– Outras hipóteses, em que nós temos uma excessiva onerosidade, excepcionalmente invocada pelos art. 317 e 478 do Código Civil, desde que os requisitos estejam presentes, pois nem sempre estão.
Imagina o preço de certos insumos, por exemplo, para determinados tipos de contratos. Nesse caso poderíamos buscar os requisitos legais da excessiva onerosidade, da inevitabilidade do fato e, portanto, da aplicação do art. 478 para a resolução ou revisão, caso seja apenas temporário.
– Mas temos uma terceira hipótese, um tanto dramática, que é a do desequilíbrio patrimonial subjetivo da parte, que infelizmente não justifica legalmente alteração das bases do contrato em que não tenha sido suscitado.
Então o desemprego, a crise econômica individual, pode gerar insolvência. Há previsões específicas para isso e, nos âmbitos da nossa realidade, muitas vezes ela suscita pela boa-fé uma tentativa de negociação ou renegociação que possa interessar não só à parte em dificuldade, mas quem pensa no futuro, no zelo da relação contratual, na manutenção de um cliente ou de prestadores de serviços.
Então nós temos inclusive um aspecto ético de uma solidariedade que nos leva a negociar mesmo quando a prestação do serviço não é realizada.
Se não separarmos esses três cenários, nós iremos confundir muito o quadro e não vamos conseguir atender as necessidades dos fatos concretos com base na lei.
Fonte: Núcleo de Comunicação AASP.