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Artigo: Subsunção inversa: da norma ao fato?
Publicado originalmente na edição nº 3065 do Boletim AASP – 2ª quinzena de julho de 2018.
Por Roberto Timoner
Em 30 de maio de 2018,1 o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP) editou a Portaria Conjunta nº 50/2018, que criou a Unidade Remota de Julgamento (URJ), composta de pelo menos quatro juízes auxiliares da Capital designados para atuar no julgamento de processos de “[…] quaisquer Unidades Judiciais do Estado de São Paulo, em qualquer competência, conclusos para sentença há mais de 60 dias úteis, preferencialmente observada a ordem cronológica de julgamento”.
No mesmo mês, o Supremo Tribunal Federal (STF) concluiu o julgamento da questão de ordem na Ação Penal nº 937, reinterpretando o foro por prerrogativa de função, para restringi-lo aos crimes cometidos no exercício do cargo.
Aparentemente, tais situações não teriam nada em comum. Enquanto a portaria do TJSP veicula normas administrativas sobre jurisdição local, a decisão do STF foi proferida no exercício de função jurisdicional, para definir a correta interpretação da Constituição.
Mas há mais elementos conectivos entre essas duas manifestações do Poder Judiciário do que à primeira vista possa parecer. Ambas têm como princípio motivador a necessidade de superar a alta carga de trabalho que permeia a prestação jurisdicional.
O TJSP criou este sistema de alocação de juízes para permitir que processos que aguardam sentença há mais de 60 dias úteis tenham seu julgamento abreviado.
A decisão do STF, a despeito do verniz constitucional, foi proferida sob a mesma justificativa, como resta claro do voto do ministro Barroso: “O foro especial, na sua extensão atual, contribui para o congestionamento dos tribunais e para tornar ainda mais morosa a tramitação dos processos […]”.
Em ambos os casos, busca-se adequar as regras de competência ao estado de coisas; em ambos, as razões de decidir confundem-se e justificam-se por necessidades de ordem prática.
Esses episódios são exemplos de um Direito que, ainda à míngua de uma articulação teórica satisfatória, procura, cada vez mais, sua legitimação nos resultados alcançados ou esperados, reduzindo a importância do texto normativo.
A portaria do TJSP, pelo menos do ponto de vista da literalidade, é incompatível com o art. 43 do CPC, que fixa a competência do juízo monocrático no momento do registro ou distribuição da petição inicial; bem como não se coaduna com o princípio do juiz natural.
Descabido o paralelo da Portaria Conjunta nº 50/2018 com a normatização das Câmaras Extraordinárias do TJSP (Resolução nº 590/2013), reputada válida pelo CNJ. No caso da portaria, não há os elementos de especialização, nem o caráter de abstração.
Criou-se nítido juízo ad hoc, inclusive em contrariedade ao atualmente controverso princípio da identidade física do juiz. Não deixa de ser emblemático que o STF, no caso citado, determinou que nenhum deslocamento processual deveria ocorrer a partir do final da instrução, com a publicação da abertura de prazo para alegações finais.
Embora fundada nas mesmas razões pragmáticas, a portaria do TJSP seguiu na direção oposta, “redistribuindo” justamente os processos já instruídos. A desconexão entre texto e norma traz estes inconvenientes. A celeridade almejada pelo Supremo possivelmente será alcançada, pois, como já mencionou Rui Barbosa, o Supremo tem o direito constitucional de errar por último.
Caso os órgãos recursais não partilhem a mesma visão do TJSP, os processos sentenciados nos termos da portaria podem não corresponder a uma marcha para frente. Isso, só o tempo irá dizer.
Roberto Timoner é advogado e conselheiro da AASP
O artigo é de responsabilidade do autor e não reflete necessariamente a posição da entidade.