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O Direito, o Descompasso e a Retórica: uma provocação necessária

Autor: Luiz Mário Seganfreddo Padão

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Data de produção: 3/6/2025

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Vivemos tempos admiráveis. A Constituição virou peça de decoração institucional; o contraditório, um capricho protocolar; e a advocacia, quando ousa se manifestar, é gentilmente convidada a “colaborar com o silêncio”.

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O Direito, esse velho incômodo que ainda insiste em exigir provas, ritos e coerência, parece cada vez mais deslocado num cenário onde a “verdade” é produzida por narrativas, e a convicção basta para condenar, desde que venha com likes e hashtags.

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A toga, antes símbolo de ponderação e contenção, agora é figurino de espetáculo. As decisões se apresentam em prosa de almanaque, embebidas de citações filosóficas genéricas e ausência de fundamento técnico — porque, claro, coerência jurídica é algo menor frente à urgência de causar impacto social (e engajamento).

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Enquanto isso, o advogado vai se tornando um relicário de um tempo em que as garantias processuais importavam. Hoje, ou ele adere à indignação performática ou é acusado de conivência. Defender o devido processo legal virou quase um ato de resistência, ou pior: um sinal de que se está “do lado errado da história”.

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Mas é preciso dizer: o lado certo da história, por aqui, muda a cada despacho. A hermenêutica jurídica já não se faz a partir da norma, mas do humor do momento. Se a interpretação for inconveniente ao clamor popular, ora, muda-se o intérprete. Afinal, justiça é aquilo que a plateia aplaude.

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Não se trata de nostalgia ou de apego romântico às formalidades processuais. Trata-se de lembrar que sem previsibilidade, o Direito não é direito — é arbítrio. E onde há arbítrio, há abuso. Só que agora o abuso vem bem redigido, com selo institucional e chancela moral.

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A advocacia precisa, mais do que nunca, recuperar seu papel histórico: não como coadjuvante da justiça do clamor, mas como protagonista da justiça do Direito. Doa a quem doer. Ainda que doa nos ouvidos sensíveis dos justiceiros de ocasião.

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Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da AASP .

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­­Luiz Mário Seganfreddo Padão

Minibio: Advogado. Diversos artigos publicados em diferentes mídias e principais revistas jurídicas de circulação nacional. Forte atuação na Advocacia Consultiva.

 

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