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O Direito e a Efetividade da Dignidade da Pessoa Humana

Autor: Sandra P. Paulino Tolentino

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­Data de produção: 11/09/2024

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Resumo

Este artigo tem por objetivo levar o leitor a reflexão sobre Direito e a efetividade da Dignidade da Pessoa Humana, o tema em exame, está voltado para nutrição, alimentação do indivíduo como base para a sobrevivência, a responsabilidade Estatal, especialmente com pessoas em estado de vulnerabilidade e necessidade. Isso, porque apesar da dignidade da pessoa humana ter previsão e garantia na Constituição Federal/88, na Declaração Universal de Direitos Humanos, o direito na prática é inacessível para uma parcela da sociedade. Não pela inexistência de norma legal, mas, por falha Governamental em executar a lei, assim, o direito é violado, a situação em questão é alimentação como direito fundamental para sobrevivência. Já que pessoas sem alimentação, não pensa, não trabalha, não vive!

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Palavra-chave: Dignidade. Direito. Pessoa-humana. Políticas-Publicas. Estado. Garantia. Constituição-Federal, Alimentação. Fome. Miséria. Alimentação-enteral.

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1. INTRODUÇÃO

O foco deste estudo é alimentação, como base para a sobrevivência, já que a vida é um direito fundamental previsto no artigo 5º da CF/88[1], onde o Estado tem o dever de garantir, logo, se o Estado não cumpre esse dever, está ferindo o princípio da dignidade da pessoa humana, já que a alimentação é essencial para subsistência humana.

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Observamos que além da base legal, existe Políticas Públicas voltadas para alimentação e nutrição (PNAN), aprovada em 1999. O objetivo é integrar os esforços por meio de um conjunto de políticas públicas com proposito de proteger, respeitar, promover e prover direitos humanos à saúde e à alimentação. Posteriormente adveio a Lei 11.346/2006, que cria o Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional – SISAN, visando assegurar o direito humano à alimentação adequada etc.

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Na teoria temos inúmeros meios de proteção do ser humano, mas, na prática, todo sistema Estatal e legal, ainda é falho para uma parcela da população, especialmente para a população mais vulnerável.

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2. METODOLOGIA

Este estudo utiliza o método de pesquisa qualitativa, baseado na observação e análise de dados, “casos concretos”.

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A escolha desta metodologia justifica-se pela necessidade de solucionar lacunas falha em diversos seguimentos, mas, aqui voltado para a alimentação, que necessita da intervenção judicial para determinar que seja cumprida a própria lei.

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A técnica usada para este trabalho está baseada em situação real e jurisprudencial em situações semelhantes e reais.

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Visualizamos como problema central, a falta de garantia do direito para o cidadão.

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Sendo necessário provocar o Poder Judiciário para ter garantido o que a Constituição Federal determina, ou seja, o Estado não cumpre sua própria Constituição, artigo 5º, XXXV[2].

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3. DEVER ESTATAL DE FORNECER ALIMENTAÇÃO AOS NECESSITADOS

De acordo com os Direitos e garantias fundamentais, todos somos iguais perante a lei sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, etc.

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Na teoria, temos nossos direitos garantidos pela Constituição, pela Lei, pela Declaração Universal dos Direitos Humanos. Mas, na prática, algumas vezes precisamos da intervenção do judiciário para determinar a garantia do nosso direito.

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Isso, porque existe o descumprimento Estatal em cumprir sua própria lei.

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Podemos observar que os direitos sociais estão previstos no artigo 6º da Constituição Federal de 1988 “ São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição”.

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Inquestionável que o direito à alimentação é um direito fundamental e essencial, já que sem alimentação não existe a vida.

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Mesmo com todo amparo legal sobre direitos inerentes aos cidadãos e a dignidade da pessoa humana, como princípio básico de sobrevivência, falta efetividade por parte dos Entes responsáveis, ou seja, na prática, nem todo cidadão tem voz, por consequência a efetividade das garantias constitucionais e das Políticas Públicas existentes, são ineficazes para uma parcela da população.

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Desta forma, entendemos que as garantias constitucionais mínimas da dignidade da pessoa humana são desrespeitadas, precisando de provocação do Poder Judiciário para se tornar efetivas, e como fica a classe das pessoas mais pobres que não tem acesso à justiça? Por exemplo, pessoas em situação de rua? Ou pessoa sem recursos financeiros que precisa de uma alimentação especial (dieta enteral) e o Estado se recusa fornecer?

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Percebemos claramente que existe o descumprimento da Constituição pelo Estado, fulcro no artigo 196 da CF/88[3].

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Não deixando outra saída ao cidadão, senão buscar a intervenção judicial para ver seu direito ser efetivado, conforme determina nossa Constituição Federal.

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A título de demonstração anexamos 4 jurisprudências de Câmaras de Direito Público distintas, ambas voltadas para o mesmo assunto, negativa de alimentação do ente Estatal para seres humanos necessitados, as jurisprudências são do Tribunal de Justiça de São Paulo.

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13ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo[4].

5ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo[5].

3ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo[6].

1ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo[7].

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Assim, fica evidente a necessidade de provocação do poder judiciário para obter um direito consagrado em nossa carta magna.

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A título de reflexão, reitero a pergunta, como fica as pessoas mais pobres que não tem acesso à justiça? Por exemplo, pessoas em situação de rua? Pessoa sem recursos financeiros que precisa de uma dieta enteral e o Estado se recusa fornecer?

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4. O QUE É DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA? NA PRÁTICA O CIDADÃO TEM DIREITO SEM DISTINÇÃO CONFORME DETERMINA A LEI?

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4.1 Dignidade da Pessoa Humana

A Dignidade da pessoa humana pressupõe, igualdade entre seres humanos, este é um de seus pilares.

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A Dignidade da pessoa humana, é um princípio fundamentado no ordenamento jurídico pátrio, está consagrado na Constituição Federal como um dos fundamentos do nosso Estado Democrático e Social de Direito previsto no artigo 1º, III, CF/88[8].

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Sendo dever do estado dar condições mínimas de sobrevivência com dignidade ao ser humano, por exemplo, quem precisa de uma alimentação especial, (dieta enteral), o ente Estatal tem o dever legal e moral de fornecer a subsistência daquele indivíduo.

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A alimentação é um direito consagrado na nossa carta magna como direito social previsto no artigo 6º CF/88, isso porque a alimentação é base da subsistência humana, logo é um direito supremo e fundamental inerente a todo cidadão.

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Neste contexto, o jurista Ingo W. Sarlet, advogado e ex-magistrado, atual professor de direito Constitucional da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, diz que a dignidade da pessoa humana pode ser entendida como: “a qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, bem como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e corresponsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos.” Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais na Constituição Federal de 1988. 2001, p. 60).

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Ainda neste sentido vejamos o artigo 1º da Declaração Universal dos Direitos Humanos menciona que:  “Todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotadas de razão e consciência e devem agir em relação umas às outras com espírito de fraternidade”.

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Sem adentrar a esfera internacional, podemos dizer que no Brasil, temos garantias fundamentais que asseguram a dignidade da pessoa humana, porém, se faz necessário o cumprimento da lei.

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4.2 Na Prática a Dignidade da Pessoa Humana é efetiva para quem precisa?

O direito à alimentação está consagrado na Constituição Federal como um direito social, confirmada pela doutrina de autores renomados no assunto, reafirmada pela jurisprudência dos Tribunais.

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Para lei, somos iguais, temos direitos sem qualquer distinção com a devida proteção, onde o ente Estatal tem o dever de garantir as condições existências mínimas ao ser humano.

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Mas, na prática falta a efetividade, falta a garantia do direito, ferindo o princípio da dignidade da pessoa humana, ou seja, para uma parcela da população os direitos basilares são violados.

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Significa dizer que mesmo existindo a lei, mesmo sendo dever do Estado fornecer alimentos aos necessitados, mesmo o cidadão comprovando a necessidade e sua vulnerabilidade, o ente Estatal ainda nega o direito.

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Não restando outra opção senão provocar o judiciário para que determine o cumprimento da lei, muitas vezes sob pena de multa diária para que seja cumprido a própria lei.

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Por exemplo quando um cidadão comprova a necessidade e faz o pedido de uma dieta enteral, mas, esse direito é negado pelo ente Estatal, ou seja, na prática o problema não está pautado na falta de lei ou Políticas Públicas sobre o assunto, mas, sim no descumprimento da lei pelo próprio Estado.

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5. Caso Prático – Alimentação

Certa vez, pude atuar como advogada em uma situação que me marcou muito como profissional e principalmente como humano.

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Se tratava de um jovem que se alimentava através de dieta enteral, ele era de uma família simples e sem muitas condições financeiras para comprar o alimento enteral.

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A família tinha conseguido na justiça há alguns anos a obrigatoriedade de o Estado fornecer o alimento, a decisão judicial estava baseada, na dignidade da pessoa humana, onde a dieta enteral era necessária para sua sobrevivência daquele ser humano.

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Mas, o alimento estava em falta há vários dias daquele ente estatal que a família buscava mensalmente, tomei conhecimento, do assunto, fiquei comovida e abracei a causa, como advogada “ Pro Bono” (serviço jurídico voluntário e gratuito para quem não tem condições financeiras).

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Consegui uma liminar que aplicava multa diária alta pelo descumprimento da decisão judicial, de posse da liminar, fui até o órgão competente e protocolei pessoalmente, coincidência ou não, em questão de horas, o alimento (dieta enteral), foi fornecido para aquele jovem que já não tinha mais nenhuma forma de se alimentar.

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Diante deste do caso concreto, fiquei com duas sensações, a primeira de dever cumprido e a segunda, que lei, e as Políticas Públicas sem a judicialização são ineficazes.

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6. Conclusão

Podemos observar que o Princípio da dignidade da pessoa humana, veste diversas roupagens em diversos dispositivos constitucionais, legais, doutrinários, jurisprudenciais e Politicais Públicas, mas, em suma o significado é o mesmo dar condições vitais de subsistência com dignidade ao ser humano.

Como vimos, na prática, nem sempre o cidadão consegue obter seu direito e ter as condições mínimas de subsistência.

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Além do caso concreto acima exemplificado, também visualizamos situações semelhantes e reais em diversas jurisprudências do Tribunal de Justiça de São Paulo, onde colacionamos aqui 4 casos, evidenciando a falta de eficácia do direito.

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 O intuito deste singelo artigo é levar o leitor a reflexão que não basta ter o direito, se faz necessário ter a efetividade para que o cidadão tenha preservado a dignidade da pessoa humana.

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Assim, propomos a continuidade do estudo aprofundando a temática discutida, “alimentação” como garantia constitucional de subsistência com dignidade.

 

REFERÊNCIAS:

Constituição Federal (https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm) – Acesso em 07.09.24.

Sarlet, Ingo Wolfgang – Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais na Constituição Federal de 1988. Porto Alegre, Liv. Do Advogado, 2001, p. 60.

Declaração de Direitos Humanos (https://www.tjsp.jus.br/Download/Portal/Neddif/AtosNormativos/DeclaracaoUniversalDireitosHumanos.pdf)- Acesso em 07.09.24

Cidadania – https://www.justica.pr.gov.br/Pagina/O-que-e-Cidadania#:~:text=Segundo%20Dalmo%20de%20Abreu%20Dallari,dever%20de%20todo%20cidad%C3%A3o%20respons%C3%A1vel. – Acesso em 07.09.24

Cidadania – https://clp.org.br/cidadania-e-politicas-publicas-um-olhar-pos-constituicao-federal-de-1988-mlg2/ – Acesso em 07.09.24

Direitos Humanos- Deveres do Cidadão – https://www.mpf.mp.br/pfdc/direitos-humanos-todo-dia/janeiro-1/os-direitos-e-deveres-do-cidadao-brasileiro#:~:text=Bem%20como%20esse%20artigo%20garante,%C3%A0%20seguran%C3%A7a%3B%20e%20%C3%A0%20propriedade. – Acesso em 07.09.24

https://www.tjrj.jus.br/c/document_library/get_file?uuid=5005d7e7-eb21-4fbb-bc4d-12affde2dbbe – Acessado em 07.09.24

https://www.unicef.org/brazil/declaracao-universal-dos-direitos-humanos – acessado em 03.02.2025

https://www.mds.gov.br/webarquivos/publicacao/seguranca_alimentar/DHAA_SAN.pdf – acessado em 03.02.2025

[1] Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida (…)

[2] XXXV – a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito.

[3] Art. 196 CF/88. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.

[4] Tribunal de Justiça de São Paulo – 13ª Câmara de Direito Público, proferiu a seguinte decisão: NEGARAM PROVIMENTO ao apelo e ao reexame necessário, interposto por V.U., Apelação Cível nº 1007230-29.2024.8.26.0554, da Comarca de Santo André, Desembargador Relator: SPOLADORE DOMINGUEZ, DJE 8 de novembro de 2024.

[5] Tribunal de Justiça de São Paulo – 5ª Câmara de Direito Público, proferiu a seguinte decisão: Negaram provimento ao recurso. V. U ao Agravo de Instrumento nº2298590-57.2024.8.26.0000, da Comarca de São José do Rio Preto, Desembargadora Relatora: MARIA LAURA TAVARES, DJE: 26 de novembro de 2024.

[6] Tribunal de Justiça de São Paulo – 3ª Câmara de Direito Público, proferiu a seguinte decisão: Negaram provimento ao reexame necessário. V.U, a Remessa Necessária Cível nº 1004021-42.2021.8.26.0462, da Comarca de Poá, Desembargador Relator: PAULO CÍCERO AUGUSTO PEREIRA, DJE: 27 de novembro de 2024.

[7] Tribunal de Justiça de São Paulo – 1ª Câmara de Direito Público, proferiu a seguinte decisão: Negaram provimento ao recurso por V. U, Remessa Necessária Cível nº 1015157-40.2024.8.26.0071, da Comarca de Bauru, Desembargador Relator: MAGALHÃES COELHO, DJE: 13 de janeiro de 2025.

[8] Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: III – a dignidade da pessoa humana (…).

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Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da AASP .

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Sandra P. Paulino Tolentino

Minibio: Advogada, Mestranda em Direito Constitucional pela Puc-SP, pós-graduada em Direito Processual Civil pela Puc-SP, MBA em Direito Imobiliário pela faculdade LEGALE, Especialista em Direito e Processo do Trabalho pelo Ibmec/Damásio Educacional, Conciliadora no JEC-Fórum do Jabaquara-SP, Associada ao Instituto Brasileiro de Direito Imobiliário – IBRADIM, Coordenadora de visitas monitoradas e estudos da Ética e Prerrogativas profissionais pela Comissão dos Acadêmicos e Acadêmicas de Direito na OAB/SP.

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