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A Evolução Jurídica do Olhar sobre o Abuso Sexual Infantil

Autora: Débora Gabanyi Rays

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Data de produção: 17/6/2025

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Introdução

A sociedade frequentemente avança em ritmo mais rápido que o Direito. A valorização da infância e adolescência, transformou a legislação brasileira, especialmente após a Constituição de 1988 e o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) de 1990, com foco no princípio da proteção integral. Este artigo sintetiza essa evolução, destacando os marcos jurídicos de proteção à infância frente ao abuso sexual.

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Breve Histórico

A proteção legal à infância no Brasil começou de forma precária, com a “Roda dos Expostos” (1726), tratando do abandono e não de abusos. Em 1890, o Código Criminal da República trouxe a presunção de violência em crimes sexuais contra menores. Em 1921, a Lei nº 4.242 incluiu maus-tratos como forma de abandono e “atos contra a moral” incluindo implicitamente a violência sexual.

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Em 1926, o emblemático caso de Bernardino, um engraxate de 12 anos que foi preso por atirar tinta em um cliente que não queria pagar. Passou 4 semanas encarcerado com diversos adultos e foi violentado de várias formas durante sua detenção. O caso resultou em ampla comoção pública e motivou a criação do primeiro Código de Menores, em 1927. Esse foi o primeiro diploma que reconheceu a infância como fase merecedora da tutela estatal e institucionalizou o Juizado de Menores e suas instituições auxiliares.

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Em 1959, a ONU aprovou a Declaração dos Direitos da Criança, que influenciou o novo Código de Menores (1979), já sob a doutrina da proteção integral. O marco definitivo veio com a Constituição de 1988: o artigo 227 impôs à família, à sociedade e ao Estado o dever de garantir, com prioridade absoluta, todos os direitos às crianças e adolescentes, incluindo proteção contra exploração sexual (§4º).

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O ECA (1990) consolidou esses direitos, reconhecendo os menores como sujeitos plenos de direitos. Trouxe pilares como a prioridade absoluta, o melhor interesse da criança e a municipalização da proteção. Posteriormente, o arcabouço legal foi ampliado por leis como a “Lei Menino Bernardo” (Lei nº 13.010/2014), que proibiu castigos físicos, e pela Lei nº 8.072/1990, que classificou o estupro de vulnerável como crime hediondo.

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A criação dos Conselhos Tutelares e Varas da Infância trouxe agilidade e especialização ao sistema de proteção. A adesão do Brasil à Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança reforçou o compromisso legal e institucional com medidas preventivas e punitivas contra a violência infantojuvenil.

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Aprimoramento contínuo

Apesar da evolução normativa, a realidade mostra que persistem desafios na efetivação dos direitos infantojuvenis, especialmente diante da dificuldade em denunciar abusos, intrafamiliares. A criação do Disque Denúncia tornou-se canal essencial para proteção. No campo educacional, a LDB (Lei nº 9.394/1996) previu diretrizes para educação sexual preventiva.

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Alterações no ECA e no Código Penal (2000–2001) endureceram penas para assédio, prostituição e exploração infantil. O Decreto nº 5.007/2004 implementou o Protocolo Facultativo à Convenção da ONU, ampliando a proteção legal. A Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/2006), embora voltada à mulher, trouxe conceitos úteis à proteção infantil, como violência psicológica e medidas protetivas urgentes.

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Desde 2012, crimes sexuais contra menores passaram a contar prazo prescricional apenas a partir dos 18 anos da vítima. Em 2013, o SUS passou a oferecer atendimento integral e multidisciplinar às vítimas (Lei nº 12.845/2013). A Lei nº 13.431/2017 criou o Sistema de Garantia de Direitos da Criança Vítima de Violência e formalizou o conceito de escuta especializada.

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A Portaria de Consolidação nº 2/2017 instituiu a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Criança, como eixo de proteção em situações de violência.

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Em 2021, a Lei nº 17.406 obrigou síndicos a denunciarem violência doméstica, ampliando a rede de proteção. A obrigação também se estende a médicos e profissionais do SUS.

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Desafios Atuais e Reflexões

Apesar dos avanços, muitas agressões ocorrem dentro de casa, dificultando sua identificação e prevenção. Cada nova legislação representa um passo relevante, mas é no Judiciário que se interpretam e aplicam essas normas. Um exemplo é o entendimento do STJ (Tema 1.186), que considerou a condição de gênero feminino suficiente para aplicar a Lei Maria da Penha em casos de violência contra meninas — mesmo havendo sobreposição com o ECA. Tal interpretação abre debate sobre a priorização da vulnerabilidade da vítima, independentemente do gênero.

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O uso de tecnologia e redes sociais possibilitou novas formas de abuso, com criminosos se aproximando de menores via internet. A legislação já começou a reagir: em 2025, foi sancionada a Lei nº 15.100, proibindo celulares em escolas como medida de prevenção. Também se iniciam discussões sobre a responsabilidade de empresas de tecnologia e redes sociais por conteúdos nocivos e omissões em relação à proteção infantil.

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A evolução normativa indica um caminho em construção. O combate ao abuso sexual infantil exige atualização constante da legislação, atuação efetiva do Estado, engajamento da sociedade e a eliminação de barreiras que ainda dificultam a denúncia e o acolhimento das vítimas.

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Conclusão

A proteção integral à criança e ao adolescente no Brasil percorreu um longo caminho — da invisibilidade institucional à prioridade constitucional. Mas a legislação, por si só, não é suficiente: é preciso garantir sua aplicação, assegurar canais de denúncia e construir uma cultura de acolhimento, respeito e responsabilização. A infância, por sua fragilidade e importância social, deve permanecer no centro das políticas públicas e do compromisso coletivo por um país mais justo.

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Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da AASP .

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Débora Gabanyi Rays

Minibio: Graduada em Direito pela PUC/SP (2000) e pós-graduada em Direito Processual Civil (2006). Ao longo de seus 25 anos de carreira, construiu uma sólida trajetória em consultoria e contencioso, atuando com excelência em Direito Civil, Família, Sucessões, Trabalhista e Contratos. Alia rigor acadêmico a uma prática inovadora, contribuindo para a criação de estratégias jurídicas que atendem tanto indivíduos quanto empresas. Sua experiência e constante atualização reforçam seu compromisso com a evolução do Direito e o aprimoramento contínuo de soluções jurídicas eficazes.

 

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