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ESPAçO ABERTO
A Aquisição de Imóveis Rurais por Estrangeiros no Brasil: Limites Legais, Soberania Territorial e Segurança Jurídica
Autora: Luciana Macedo Vieira
Autora: Rafaela Vieira Leme
Data de produção: 18/11/2025
Os artigos postados neste canal são apresentados por associadas e associados e refletem visões, análises e opiniões pessoais, não correspondendo, necessariamente, ao posicionamento da AASP.
No Brasil, a aquisição de imóveis rurais por pessoas estrangeiras sempre foi um tema de grande relevância e, por vezes, complexidade, dada a necessidade de conciliar o interesse em investimentos externos, sem prejudicar a salvaguarda da soberania nacional.
A Legislação Brasileira, tanto em nível constitucional quanto infraconstitucional, reflete essa preocupação, ao estabelecer um conjunto de requisitos e limitações rigorosos para tal natureza de aquisição. O objetivo principal de tais normas é garantir que a entrada de capital e a propriedade da terra por estrangeiros ocorram de forma controlada e alinhada aos interesses estratégicos do país.
Neste sentido, a Lei nº 5.709, de 07 de outubro de 1971 (“Lei nº 5.709/71”), e seu Decreto Regulamentar nº 74.965, de 26 de novembro de 1974 (“DR. nº 74.965/74”), determinam limitações à aquisição de imóveis rurais por:
(i) Pessoas físicas ou jurídicas estrangeiras (artigo 1º da Lei nº 5.709/71); e (ii) Sociedades Brasileiras com capital estrangeiro (artigo 1º, parágrafo 1º, da Lei nº 5.709/71).
O presente artigo visa abordar as nuances referentes ao estrangeiro pessoa física que pretende adquirir imóveis rurais no Brasil. Desta forma, a primeira consideração sobre o tema é que, somente as pessoas físicas estrangeiras residentes no Brasil podem adquirir imóveis rurais. Ou seja, qualquer estrangeiro que não seja residente formal no país, não está legalmente autorizado a realizar o ato, conforme previsão do artigo 1º, da Lei nº 5. 709/1971.
A Lei de Migração (“Lei nº 13.445/17”) estabelece as nuances para a obtenção da residência brasileira por meio de visto, classificado como “o documento que dá a seu titular expectativa de ingresso em território nacional” (artigo 6º), e, nessa linha de raciocínio, o mesmo ordenamento legal específica que, por meio do visto, a pessoa estrangeira poderá conquistar sua residência brasileira, nos termos de seu artigo 30.
Adicionalmente, a Lei nº 5.709/71 estabelece outras condições a serem cumpridas pelo estrangeiro que pretenda adquirir imóvel rural no Brasil, como por exemplo, a autorização governamental, exigida para imóveis com área superior a 3 (três) e limitada a 50 (cinquenta) Módulos de Exploração Indefinida (“MEI”).
Para áreas inferiores a 3 (três) MEIs, o artigo 3º, parágrafo 1º, da mesma Lei, prevê a dispensa da autorização governamental. Contudo, para que isto ocorra, é necessário que seja a primeira aquisição do estrangeiro, pois para qualquer aquisição subsequente, independentemente da metragem, a autorização será exigida, estabelece o artigo 7º, parágrafo 3º do DR. nº 74.965/1974.
O MEI, fixado pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – INCRA de acordo com a região, é a métrica utilizada para determinar essa dispensa. Tomando como um exemplo hipotético, um município que o MEI seja de 10ha (dez hectares), permite-se a aquisição de imóveis rurais de até 30ha (trinta hectares) por estrangeiros residentes, sem a necessidade de autorização governamental.
É importante ressaltar que, mesmo para imóveis dentro desses critérios, ou seja, de até 50ha (cinquenta hectares), se a área for superior a 20 (vinte) MEIs, o artigo 7º, parágrafo 4º, do DR. nº 74.965/74, exige, além da autorização governamental, a aprovação de um Projeto de Exploração a ser apresentado ao INCRA, como forma de assegurar que os imóveis rurais não permaneçam improdutivos ou inexplorados. Tal previsão visa assegurar o cumprimento da função social da propriedade.
Adicionalmente às restrições individuais, a Lei impõem limitações de natureza coletiva, visando resguardar a soberania territorial e a prevenção da concentração fundiária por estrangeiros.
A primeira dessas restrições, prevista no artigo 5º do DR. 74.965/74, determina que a soma das áreas rurais pertencentes a pessoas físicas ou jurídicas estrangeiras e a Sociedades Brasileiras com capital estrangeiro não pode exceder ¼, ou seja, 25% (vinte e cinco por cento) da superfície do Município onde se situam os imóveis, conforme previsto no artigo 12 da Lei nº 5.709/71. Esses percentuais são apurados pelo INCRA, mediante controle em cadastro próprio, nos termos do artigo 10 do Decreto nº 74.965/74
Em complemento a essa regra, o parágrafo 1º do mesmo artigo 5º, estabelece que as pessoas da mesma nacionalidade não podem ser proprietárias, em cada Município, de mais de 40% (quarenta por cento) da superfície já adquirida por estrangeiros. Essa limitação evita a formação de enclaves homogêneos de determinada nacionalidade, protegendo a diversidade e a integração social nas comunidades rurais.
Seguindo, o parágrafo 2º, estabelece as exceções às restrições legais coletivas. Sendo estas exceções: (a) as aquisições de imóveis com áreas inferiores a até 3 (três) MEIs; (b) as propriedades objeto de negociações anteriores a 10 de março de 1969; e (c) os casos em que o adquirente possua filho brasileiro ou seja casado com pessoa brasileira sob o regime de comunhão de bens.
A legislação brasileira ainda impõe uma camada adicional de controle ao tema, que concerne à localização estratégica das propriedades. O artigo 7º da Lei nº 5.709/71 prevê que a aquisição de imóveis rurais, por pessoa física ou jurídica estrangeira, quando situados em áreas consideradas indispensáveis à segurança nacional, depende do assentimento prévio da Secretaria-Geral do Conselho de Segurança Nacional. Essa exigência sublinha a prioridade da segurança do Estado sobre o interesse privado, assegurando que o domínio de terras em regiões sensíveis permaneça sob estrito controle nacional.
Além disso os Cartórios de Registro de Imóveis são os principais responsáveis pela efetividade dessas normas, pois somente realizarão qualquer transcrição e registro efetivo de documento, se houver a comprovação expressa das autorizações dos órgãos competentes, garantindo a conformidade legal. Nesse sentido, exigem, categoricamente, que o ato seja lavrado por meio de Escritura Pública, perante um Tabelionato de Notas.
Assim, torna-se evidente que a aquisição de imóveis rurais por estrangeiros no Brasil é um tema multifacetado, regido por uma legislação complexa, que busca harmonizar o incentivo ao investimento externo com a imprescindível salvaguarda da soberania nacional.
A aquisição de terras rurais por estrangeiros no Brasil não é um direito irrestrito, mas sim uma concessão, condicionada ao cumprimento de preceitos legais que visam assegurar a função social da propriedade e a proteção de interesses estratégicos do Estado de Direito. A compreensão aprofundada dessas normas é fundamental para que investidores estrangeiros possam conduzir suas aquisições de forma segura e em conformidade com o ordenamento jurídico Brasileiro, contribuindo para o desenvolvimento do país sem comprometer sua integridade territorial e econômica.
Nesse sentido, compreender as restrições e os procedimentos previstos na legislação brasileira é essencial não apenas para a segurança jurídica das transações imobiliárias, mas também para o fortalecimento da confiança de investidores estrangeiros, em um ambiente regulatório claro e estável.
Luciana Macedo Vieira
Minibio:Advogada, formada pela PUC-SP, pós-graduada em Direito Imobiliário, Direito Societário e Contract Design pela FVG/SP, especialista em Direito Imobiliário regenerativo e estruturação de comunidades intencionais, pós-graduada em Direito Sistêmico pela Hellinger Schule em parceria com a Faculdade Innovare, certificada em Design e Desenvolvimento Regenerativo pelo Instituto de Desenvolvimento Regenerativo e especialista em Gestão Positiva de Conflitos pela instituição Mediação Brasil/2017.
Rafaela Vieira Leme
Minibio: Advogada, especialista em Direito Imobiliário. Possui pós-graduação em Direito Imobiliário (EPD), Direito Constitucional Aplicado (Legale) e Direito Processual Civil (USCS), além de formações complementares em áreas como Legal Design e Planejamento Sucessório.