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Os impactos da Covid-19 no agronegócio

Entrevista com o advogado Antonio Carlos de Oliveira Freitas.

Embora a produção, distribuição e comercialização de alimentos tenha sido considerada atividade essencial, o isolamento social imposto pela pandemia causada pelo Covid-19 trouxe impactos também ao setor do agronegócio.

Alguns negativos – como o aumento do número de pedidos de recuperação – e outros positivos – como a irreversível aplicação da tecnologia tanto na produção, com o uso de drones para monitoramento das lavouras e do gado, quanto também na formalização de negócios, com o uso de assinatura eletrônica nos contratos e títulos de crédito, e a emissão e circulação dos chamados títulos de crédito nato-digitais, que reduziram os custos de transação para o setor.

Esse tema foi tratado na entrevista com o advogado Antonio Carlos de Oliveira Freitas:

  1. A MP nº 926/2020, a Lei nº 13.979/2020 e o Decreto nº 10.282/2020 trazem mais avanços ou preocupações ao agronegócio? 

Antonio Carlos de Oliveira Freitas: A Lei nº 13.979/2020 disciplinou as medidas para enfrentamento da emergência de saúde pública decorrente do coronavírus regulamentada pelo Decreto nº 10.282/2020. Nesse decreto foram explicitados os serviços públicos e atividades considerados indispensáveis ao atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade, incluindo a produção, distribuição, comercialização e entrega, realizadas presencialmente ou por meio do comércio eletrônico, de alimentos e bebidas, bem como atividades de comércio de bens e serviços, incluídas aquelas de alimentação.

  1. Quais os problemas enfrentados a partir de decretos estaduais e municipais de isolamento? Como eles afetam a indústria?

Antonio Carlos de Oliveira Freitas: A imposição de obstáculo ao tráfego de trabalhadores para as unidades de produção de alimentos ou mesmo a não circulação de insumos do complexo agroindustrial impediram o regular desenvolvimento de diversas atividades consideradas essenciais. Isso acabou por desencadear a necessidade de acionar, em algumas oportunidades, o Judiciário, a fim de reestabelecer os comandos que definiam a produção e distribuição de alimentos como necessidade essencial.

  1. Qual a percepção do mercado sobre a chamada MP do Agro (MP nº 897/2019, Lei nº 13.986/2020)?

Antonio Carlos de Oliveira Freitas: Havia grande expectativa, em especial no sentido de possibilitar o aumento da quantidade de bens para dar em garantia nas operações comerciais do setor, bem como a possibilidade de emissão de títulos de crédito com cláusula com variação cambial, a fim de possibilitar um incremento das operações estruturadas junto ao mercado de capitais e para a atração de mais investidores, nacionais e estrangeiros.

Há a percepção de que o avanço poderia ter sido maior, em especial em relação às questões relativas à recuperação judicial de produtor rural pessoa física e à discussão de produtos considerados essenciais para a atividade agrícola e pecuária, mas que foram excluídas da nova Lei nº 13.986/2020.

Por outro lado, pontos como títulos de crédito eletrônicos não foram endereçados de forma correta, e a criação de novo tipo de garantia – patrimônio rural em afetação –, será de difícil constituição, na medida em que raros são os imóveis rurais livres de ônus, requisito para a constituição da mencionada garantia. Assim, temos que houve avanço, mas há pontos que necessitam de melhoria.

Além disso, a parte operacional ainda demanda regulamentação, e há receio de aumento de judicialização sobre alguns pontos da mencionada lei.

  1. Quais setores dentro da cadeia do complexo agroindustrial serão mais afetados com a Covid-19?

Antonio Carlos de Oliveira Freitas: Os setores do complexo agroindustrial até o momento mais afetados são as usinas de cana; o setor de algodão; o setor de flores; e alguns produtores de hortifrúti.

  1. O que é o e-agronegócio e quais os desafios da tecnologia para o setor?

Antonio Carlos de Oliveira Freitas: O e-agronegócio é o uso da tecnologia no agronegócio, e ela já se instalou no setor. Os avanços nos últimos tempos foram significativos, e, com esse cenário de isolamento social, houve grande aumento na utilização de plataformas eletrônicas voltadas para as necessidades desse ramo de atividade, o que se mostrou uma prática irreversível. A utilização não apenas de drones para monitoramento das lavouras e do gado, mas o uso de assinatura eletrônica nos contratos e títulos de crédito, bem como a emissão e circulação dos chamados títulos de crédito nato-digitais demonstram que a utilização da tecnologia trouxe muitos benefícios, reduzindo os custos de transação para o setor. Há desafios ainda a serem enfrentados, em especial no que diz respeito a questões operacionais relativas a registros de garantias junto aos cartórios de registro de imóveis ou mesmo questões de interoperabilidade, seja no âmbito dos cartórios ou mesmo nas centrais de escrituração que passarão a ter papel importante a partir de 1º de janeiro de 2021, como prevê a Lei nº 13.986/2020.

  1. Poderá haver um aumento das recuperações judiciais?

Antonio Carlos de Oliveira Freitas: Infelizmente, sim. Já se verifica esse aumento de pedidos de recuperação judicial por parte de empresários do setor. Há alguns fatores que contribuem para isso, como o ato normativo – nº 0002561-26.2020.2.00.0000 – do Conselho Nacional de Justiça aprovado em 31 de março, com recomendações aos magistrados para orientá-los na flexibilização do cumprimento das diretrizes da Lei nº 11.101/2005, relativamente aos processos de recuperação judicial, tendo em vista a pandemia de Covid-19; e em virtude do REsp nº 1.800.032-MT, relator ministro Marco Buzzi, relator para acórdão ministro Raul Araújo, julgado em 5/11/2019, no qual o STJ reconheceu a possibilidade de produtor rural pessoa física pedir recuperação judicial mesmo sem cumprir o prazo de dois anos do registro de empresário na Junta Comercial. Vale esclarecer que essa não é a pacificação do tema, pois há outros recursos sobre essa questão ainda pendentes de apreciação na referida Corte. Portanto, o cenário de crise, com a recomendação do CNJ e o precedente do STJ, trouxe elementos para que o panorama das recuperações judiciais de empresas do setor seja de aumento do número de pedidos desse jaez.

Fonte: Núcleo de Comunicação AASP

 

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