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Artigo: Aviation Compliation

Por Antonio José e Silva

Enquanto o mundo aprende a usar o novo termo “compliance”, percebe-se que a corrida pela democratização dos saberes não acompanha a real necessidade de uma ferramenta tão importante no dia a dia das pessoas físicas e jurídicas que, em curto regresso de princípios, torna-se basilar.

Como de conhecimento geral, a origem da palavra mencionada está no verbo “to comply”, que, na língua inglesa, significa cumprir. Dando continuidade ao estudo do termo, trata-se de um conjunto de medidas internas a serem adotadas e seguidas para prevenir ou minimizar os riscos de violação às leis e princípios preconizados pelo sistema no qual a organização encontra-se inserida.

Deixando à parte os comentários sobre as responsabilidades objetivas e sanções estipuladas, trazidas aos olhos pela Lei Anticorrupção nacional vigente (Lei nº 12.846/2013) e outros regramentos legislativos anteriores, o objetivo deste pequeno artigo é demonstrar, de forma lúcida, que, no setor aeronáutico, os muros acima são ultrapassados, pois, para surpresa de muitos, o atual “estado de conforto” vivenciado sugere a aparente sensação de que, em cumprimento ao estabelecido pelos ditames anunciados pela legislação atual, tem-se a ferramenta instalada em suas instituições.

Em regra, aprofundando a análise do segmento aeronáutico, já se encontra o primeiro hiato comportamental na própria conceituação, uma vez que, por óbvio, quase todas as corporações existentes no Brasil, e em diversos países do mundo, se consideram, de forma ou outra, trilhando o terreno do cumprimento de ações preconizadas contra a corrupção. Ao comparar o compliance operacionalizado pelo mercado atual nas instituições aeronáuticas e aquele cujo Direito Aeronáutico contemporâneo preconiza, identifica-se uma abismal diferença.

Enquanto as boas práticas são usadas no ambiente corporativo, em geral, como instrumentos de prevenção e combate à corrupção, ora pelo distanciamento dos riscos regulatórios, ora por processos internos e patologias organizacionais crônicas, o mundo aeronáutico, a reboque do Federal Aviation Administration (FAA), já corrobora que a falta de conhecimento ou aplicabilidade no contexto aéreo da utilização do verdadeiro Aviation Compliance traduz inaceitáveis riscos operacionais, que põem em risco a sobrevivência da própria organização.

Nota-se que o compliance aeronáutico vai muito além do que grande parte do mercado realiza para, resumidamente, marcar os itens preconizados pela autarquia reguladora e fiscalizadora como mínimos operacionais estabelecidos e realizados, até porque os padrões de fiscalização publicados devem ser considerados como base de apoio e jamais como requisitos a serem alcançados e festejados. Destaque-se que a moderna ferramenta aqui anunciada tem como engrenagens fundamentais: o comprometimento da alta administração, a existência de instâncias independentes dotadas de recursos, um sério trabalho de análise de riscos, regras claras e contínuo monitoramento.

Célebres palavras do pensador francês Montesquieu, na obra O Espírito das Leis, em que diz: a corrupção dos governantes quase sempre começa com a corrupção dos seus princípios”. O que dizer quando o não cumprimento dos preceitos passa por questões principiológicas? Sem ingressar no mérito, prefiro considerar que esse problema exista de forma ínfima no meio aeronáutico, pois, normalmente, paga-se com a própria vida quando a relação é operacional direta.

Sem objetivar qualquer estardalhaço midiático, a grande preocupação é a procura intensa por profissionais inseridos nos cargos diretivos e de gestão, que possuam, ao mesmo tempo, formação de forte competência acadêmica aliada à vivência real operacional, conhecimentos específicos e próprios do segmento aeronáutico, sob o risco de que a inserção de profissionais de mercado, cuja busca incessante por resultados positivos e imediatistas aliados a nenhuma relação afetiva com o meio, possam trazer, além de expressivos prejuízos financeiros de médio e longo prazo, fortes abalos à saúde econômica de suas corporações e, pior, em se tratando de aviação, perdas de vidas humanas.

Não há como condená-los por isso, haja vista que, para que o alcance da visão aviation compliance seja atingido, necessário se faz que os profissionais estejam municiados com as qualidades de sobrevivência para o sistema mundial atual, conhecido pelo acrônimo VUCA (volatilidade, incerteza, complexidade e ambiguidade).

De forma conclusiva, importante ressaltar que, além dos alertas supramencionados, a união de conhecimento jurídico, administrativo e operacional específico em aviação deve ser considerada imprescindível na implementação do verdadeiro compliance para que seu uso contínuo possa trazer os reais benefícios desta ferramenta singular.

Antonio José e Silva é Comandante Airbus 32F. Presidente da Comissão de Direito Aeronáutico, Espacial e Aeroportuário do Conselho Federal OAB, Seccional Rio de Janeiro e Subseção Barra da Tijuca. Advogado, investigador de incidentes aeronáuticos (Cenipa) e perito judicial.

Linkedin – https://bit.ly/31S202w

Referências

ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. São Paulo: Malheiros Editores, 2008, 669p.

PORTO, Vinicius; MARQUES, Jader. O Compliance como Instrumento de prevenção e combate à corrupção. Livraria do Advogado Editora, 2017. p. 13-17 e 61-70.

COUTINHO, Aldacy Rachid; BUSATO, Paulo César. Aspectos Jurídicos do Compliance. Empório do Direito, 2017. p.181.

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Fonte: Núcleo de Comunicação AASP

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