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Arbitragem e Administração Pública

Por Silvia Rodrigues Pachikoski

O investimento no Brasil enfrenta alguns limitadores e entraves bastante conhecidos pelos advogados, tais como a falta de crescimento, a burocracia e a complexidade tributária. Para além deles, investidores que buscam oportunidades no Brasil têm medo da insegurança jurídica oposta, nos dizeres de José Gomes Canotilho, à “fiabilidade, clareza, racionalidade e transparência dos actos do poder”.

Sabe-se que o capital estrangeiro é de suma importância para fomentar o desenvolvimento no Brasil, sobretudo no setor de infraestrutura, que envolve a Administração Pública. Neste quesito, o instituto da arbitragem pode representar a salvaguarda da proteção dos interesses dos investidores, seja estrangeiro, seja nacional.

Originalmente, submetiam-se à arbitragem “pessoas capazes […] para dirimir litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis” (art. 1º). Passadas, aproximadamente, duas décadas da promulgação da Lei de Arbitragem (Lei nº 9.307/1996), constituiu-se uma Comissão de Juristas para elaboração de proposta de reforma da mencionada lei.

A fim de resguardar o instituto, a Comissão, ao produzir o Projeto de Lei nº 406/2013, que culminou na Lei nº 13.129/2015, entendeu por bem trazer para o texto legal as posições jurisprudenciais pacificadas em sua maioria pelo Superior Tribunal de Justiça, além de pequenas modificações que visavam contribuir para a ampliação do uso da arbitragem no país.

Dentre as modificações, admitiu-se expressamente a utilização do instituto da arbitragem no âmbito da Administração Pública (art. 1º, § 1º), por isso diz-se que originalmente submetiam-se à arbitragem “pessoas capazes”.

Ressalva-se que, muito embora tenha-se admitido a utilização da arbitragem no âmbito da Administração Pública com a reforma da Lei de Arbitragem em 2015, leis esparsas antecedentes à referida reforma já permitiam a submissão da Administração Pública à arbitragem, tais como (i) Lei de Parcerias Público-Privadas; (ii) Lei dos Portos; (iii) Lei de Petróleo e Gás; (iv) Lei de Concessões; (v) Lei de Transporte de Gás Natural.

É certo que a medida buscou colocar uma pá de cal nas diversas discussões acerca da possibilidade de o instituto ser utilizado pela Administração Pública. Não há dúvida de que o efeito desta inclusão na Lei de Arbitragem foi positivo. Os números das mais renomadas instituições arbitrais do país demonstram o crescimento dos casos instaurados após 2015 que têm a Administração Pública – quer seja direta, quer seja indireta – como parte.

A despeito do entendimento de alguns quanto à suposta indisponibilidade dos direitos patrimoniais da Administração Pública, pelo que esta estaria impedida de se submeter à arbitragem em vista do teor do art. 1º da lei (“dirimir litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis”), prevalece na doutrina o entendimento de que é disponível e de cunho patrimonial tudo aquilo que é objeto de contrato celebrado pela Administração Pública. E assim deve ser.

Como país em desenvolvimento, que precisa de aporte privado para seu crescimento, o Brasil deve se adequar às melhores práticas. E, quando se fala em investimento, a arbitragem, sem sombra de dúvidas, está entre elas.

Sabe-se que o expressivo número de disputas judicializadas no Brasil além de prejudicar a celeridade processual, também impacta na qualidade das decisões proferidas, tendo em vista o pouco tempo que o julgador tem para dedicar-se aos processos. Se não bastasse o assoberbamento do Judiciário por si só, a questão é prejudicial também para a ascensão do país, haja vista que o “custo Brasil” dificulta a contratação de investidores privados com o Estado.

Nesse sentido, tanto o Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento (Bird) como o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) exigem a utilização de cláusula compromissória nos contratos firmados sob o amparo da Lei de Licitações ao custearem o pagamento de serviços, mercadorias ou da obra contratada.

A inserção de cláusula compromissória nos contratos públicos, por meio da qual estabelece a submissão de eventual litígio à arbitragem, pode, em certa medida, conferir aos investidores maior confiabilidade no cumprimento das obrigações assumidas pela Administração Pública, uma vez que as características da arbitragem – tal como a celebridade em que as decisões são proferidas – atuam como fator preponderante no cumprimento dos dispositivos contratuais.

Deve-se destacar, ainda, outra característica primordial da arbitragem, que é o direito das partes de indicar os respectivos árbitros que comporão o tribunal arbitral a ser constituído, o qual está diretamente ligado ao princípio da autonomia da vontade inclusive. A força deste direito é tamanha que o § 4º do art. 13 da Lei de Arbitragem, incluído por ocasião da reforma da lei em 2015, faculta às partes afastar as regras da instituição arbitral que limitem a escolha dos árbitros.

Tem-se, assim, que a escolha da arbitragem como forma de resolução de conflitos, em especial nos contratos públicos, acaba por trazer segurança jurídica àqueles que aqui querem investir, isso porque a arbitragem traz a previsibilidade sobre a duração do procedimento e a garantia de uma decisão especializada, proferida por aqueles, em sua maioria, escolhidos pelas próprias partes. Acrescenta-se a isto o fato de que, em havendo garantias especiais que permitam a execução de eventual sentença arbitral condenatória contra a Administração Pública sob rito privado, não se sujeita a parte vencedora ao moroso regime de precatórios, previsto no art. 100 da Constituição Federal.

De igual sorte, nos termos do inciso I do § 2º do art. 15 do Decreto nº 10.025/2019, a parte privada ou a concessionária pode formular ao tribunal arbitral, de acordo com o contrato, pedido para que este promova a recomposição do equilíbrio econômico-financeiro subjacente ao ajuste, com a majoração do valor da tarifa fixada para a prestação do serviço concedido. A sentença arbitral poderá, ainda, determinar a compensação de haveres e deveres de natureza não tributária, conforme Decreto nº 13.448.

Assim, mais do que nunca a arbitragem revela-se a mais adequada forma de solução de conflitos nos contratos públicos, cujo investimento seja significante e necessário, levando o Brasil e os players brasileiros a caminhar pari passu com os países desenvolvidos.

 

 

 

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