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O futuro dos advogados na era da inteligência artificial

Por Marina Feferbaum[1]

É evidente que a tecnologia alterou – e segue alterando – drasticamente nossa relação entre pares e com o mundo. Na área jurídica, tanto em escritórios de advocacia como em departamentos jurídicos e setores públicos, também é fato que a rotina se configura bastante distinta daquela de há poucos anos.

Podemos constatar diversas mudanças e variáveis introduzidas: computadores cada vez mais avançados, programas que automatizam tarefas, softwares que possuem um sistema de retroalimentação e aprendizado, cuja inteligência artificial (IA) auxilia o ser humano na tarefa de decisão, com capacidade para elaborar produtos. Todas possuem em comum o fator tecnológico e resultam em corte de custos operacionais e resultados mais rápidos e precisos.

Principalmente o machine learning traz um fator competitivo enorme, pois possibilita que tarefas executadas por seres humanos agora sejam feitas por máquinas. E não apenas em atividades mecânicas repetitivas, mas cognitivas também. À medida que fornecemos mais inputs, as máquinas aumentam seu repertório de informação, sendo capazes de, mais do que gerar relatórios e combinações de dados, produzir até peças e teses jurídicas.

Tais avanços têm permitido a advogados e profissionais jurídicos direcionarem seus esforços a tarefas em que o ser humano é imprescindível: refletir criticamente, considerando os impactos para a sociedade. Desde que munidas de elementos confiáveis e noção mais sistêmica do cenário e de suas variáveis, a capacidade das pessoas de elaborar soluções para problemas cada vez mais complexos aumenta.

Claro, tudo isso desde que o profissional saiba o que fazer com tantos dados. Em um mundo que nos bombardeia o tempo todo com informações, possui-las sem habilidades para gerenciá-las e tomar decisões, tudo isso que foi mencionado não é uma garantia de que passaremos a ter um advogado ou profissional jurídico melhor. É necessário que ele tenha condições para raciocinar criticamente e competências não apenas de ordem técnica. Vale ressaltar que essas competências e habilidades devem ser desenvolvidas no curso de Direito – sim, é função das universidades formar egressos resilientes e aptos a lidar com um mundo em constante transformação.

Mas, diante de tantos cursos de Direito no país, com diversos focos e níveis de qualidade de ensino, muito podem – e devem – se perguntar: há futuro para o advogado? E para as profissões jurídicas? Se houver, qual será? Bem, perguntas ainda mais profundas, de base, são: que tipo de sociedade vamos moldar? Com qual tipo de Direito estamos comprometidos? Pretendemos usar a IA para qual finalidade?

Antes de tudo, porém, é fundamental termos claro que a tecnologia em si não é uma ameaça; a forma como ela é usada, assim como outros instrumentos, pode ser. Muitas tarefas estão sendo e ainda serão automatizadas. Para além do medo que pode provocar na categoria por quem encara esse progresso como uma ameaça à profissão, devemos admitir que, com o auxílio da IA e de novas tecnologias, advogados e profissionais jurídicos finalmente poderão se dedicar ao Direito em si, como atividade-fim e estratégica, estando liberados de rotinas repetitivas, mecânicas e burocráticas. Haverá, afinal, tempo para reflexão intelectual e crítica sobre os problemas, com subsídios seguros para criação de soluções mais criativas e adequadas a uma realidade cada vez mais complexa.

Portanto, o profissional jurídico que souber encarar a IA de modo a otimizar seu trabalho seguramente será um melhor jurista, advogado, acadêmico, gestor – e funções que ainda estão por serem criadas. Essa pessoa conseguirá ter uma visão mais abrangente de aspectos jurídicos e interdisciplinares, habilitando-a a criar soluções mais acertadas à sociedade que queremos. E tudo isso sem concorrer com a IA, mas trabalhando com ela a favor.

[1] Professora e coordenadora do Centro de Pesquisa e Ensino em Inovação e na área de Metodologia de Ensino da FGV Direito SP. Doutora em Direito pela PUC-SP.

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