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Caso Mariana Ferrer escancara paradigmas do sistema de Justiça

Painel abordou o caso sob a perspectiva das consequências de anos de patriarcado e como desmerecer o relato da vítima ainda é uma prática comum no sistema de justiça do país.

Em 2018, na época com 21 anos, Mariana Ferreira Borges, mais conhecida nas redes sociais como Mari Ferrer, ganhou as páginas dos noticiários após relatar abuso sofrido em dezembro daquele ano em uma casa noturna. O acusado foi inocentado pela Justiça, a pedido do Ministério Público, órgão responsável pela acusação; porém, o tratamento atribuído à vítima suscitou os mais acalorados posicionamentos na sociedade civil e na comunidade jurídica.

O tema também fez parte da programação do Mês da Mulher AASP no webinar “Caso Mariana Ferrer: a justificativa da violência na culpabilização da vítima”, com a presença da promotora de justiça do Ministério Público de São Paulo, Silvia Chakian e da criminalista Ana Paula Braga, com mediação do Conselheiro da AASP Rodrigo Cesar Nabuco de Araujo.

Os participantes chamaram a atenção para a violência institucionalizada, que originou a Lei nº 14.245/2021, prevendo punição para atos contra a dignidade de vítimas de violência sexual e das testemunhas do processo durante julgamentos.

Para o conselheiro da AASP, Rodrigo Nabuco, a humanidade e a educação deveriam ser inerentes e lamentou o fato de precisarmos ter uma lei que discipline o comportamento de profissionais em uma audiência, principalmente em casos tão discutidos como os de violência contra a mulher.

“Fomentar esse debate será sempre importante enquanto não conseguirmos atingir o mínimo de maturidade como sociedade e superar a forma patriarcal e machista de enxergar uma situação de nossos agentes de justiça”, declarou.

A palavra da mulher vítima de violência sexual

Culpar a mulher que denuncia um estupro ou ato de importunação sexual, justificando as roupas que veste, seus hábitos ou comportamento como argumento defesa lhe parece inadmissível?

Infelizmente essa prática se tornou recorrente diante da forma como os réus têm sido absolvidos e as mulheres têm sido alvo de ataques, condição que desencoraja novas denúncias e contribuem para a impunidade.

Uma situação que para a promotora de justiça do Ministério Público de São Paulo, Silvia Chakian, é reflexo de um sistema de justiça estruturado por valores ultrapassados e por uma sociedade que enxerga a mulher como uma propriedade do marido, devendo a ele obediência, fidelidade e respeito.

“Esse tipo de criminalização não se presta a mudar efetivamente a cultura jurídica ainda tão patriarcal que é reflexo da nossa própria sociedade, que ainda julga mulheres vítimas de violência. É essa cultura inaceitável que precisa ser modificada”, afirma

Chakian compara o tratamento recebido por Mari Ferrer ao caso de Ângela Diniz, morta com quatro tiros pelo então namorado Doca Street, em dezembro de 1976. Recontada recentemente pelo podcast Praia dos Ossos, a produção relata como os papéis foram invertidos no processo: o criminoso acabou sendo vitimizado, enquanto a verdadeira vítima foi julgada moralmente pela opinião pública.

“Para muitos, a mulher que viola as expectativas de submissão ou recato sexual merece ou torna-se conivente aos abusos recebidos por ela mesma, por exemplo, numa festa dentro de um estabelecimento. Isso é algo chocante”, diz a promotora, que elogia os avanços legislativos, mas defende uma mudança na grade curricular da universidade de Direito.

“Há um avanço legislativo muito significativo, mas a proteção precisa vir acompanhada da perspectiva de gênero. Isso passa por disciplinas que envolvam a discussão de gênero nas faculdades de Direito. Precisamos refletir sobre isso enquanto sociedade”, conclui.

O papel da advocacia no combate à violência contra a mulher

“Era uma mulher sedutora, belíssima, encantadora, a Pantera de Minas.”

“Ela queria a vida livre, libertina depravada.”

“Foto chupando dedinho e com posições ginecológicas”

Essas chocantes frases foram citadas pela defesa do acusado de violentar Mariana Ferrer e direcionadas à influenciadora.

Durante sua exposição, a criminalista Ana Paula Braga diz que o Poder Legislativo entendeu a necessidade de se regular algumas situações no que tange à proteção de vítimas no decorrer das ações, principalmente à coibição da prática de atos atentatórios à dignidade delas, porém as causas estão um pouco mais enraizadas do que isso.

“Temos leis que pregam a igualdade de gênero, mas por que tanta agressividade do sistema de justiça? Precisamos voltar um pouco para entender que o Direito é o reflexo da sociedade e de uma cultura masculina, criada majoritariamente por homens brancos, ricos e heterossexuais de classe dominante. Até pouco tempo, não estudávamos na faculdade de Direito questões sobre a igualdade de gênero. Isso traz consequências”, diz a advogada.

Quer saber mais sobre isso? Confira a íntegra deste relevante debate aqui.

O Mês da Mulher AASP continua!

A programação do Mês da Mulher AASP prossegue nos próximos dias, e as inscrições poderão ser feitas gratuitamente acessando o site mesdamulher.aasp.org.br. E, como tudo o que é bom vale a pena ser visto novamente, todos os painéis da grade estarão em breve disponíveis no YouTube da AASP. Clique aqui e inscreva-se no canal.

Fonte: Núcleo de Comunicação AASP

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