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O Código de Processo Civil como pilar da justiça para todos

Filha dos processualistas José Manoel de Arruda Alvim Netto e Thereza Arruda Alvim, a mestre e doutora pela PUC-SP Teresa Arruda Alvim é considerada uma das maiores especialistas na área, não apenas no Brasil.

Palestrante internacional, ela ganhou projeção como pesquisadora do Código de Processo Civil em países como Itália e Alemanha, experiência e conhecimento que tornaram inevitável sua participação na construção do anteprojeto da Câmara dos Deputados sobre o novo CPC, que tinha o objetivo de buscar soluções para diminuir o prazo e os problemas nos processos civis; assumindo posteriormente o cargo de relatora geral da comissão do Senado Federal na aprovação da lei.

Confira a seguir a entrevista concedida pela advogada ao Boletim da AASP. Teresa fala do entusiasmo com que trata sua carreira, faz críticas ao excesso de teses nos debates das comissões, comenta a fundamentação das decisões judiciais e deixa uma mensagem aos estudiosos do Direito.

O que significa ter feito parte da Comissão de Juristas que elaborou o anteprojeto do novo Código de Processo Civil?

Teresa Arruda Alvim: Posso dizer que foi um sentimento muito positivo. Muitas das intenções que tínhamos com o novo Código estão se concretizando na prática, as pessoas têm tido cada vez mais boa vontade em relação a ele. O que me frustra toda vez que estou diante de uma nova legislação é a má vontade das pessoas em relação a ela. Atualmente, o que vejo são pessoas tentando extrair do Código o melhor que ele pode oferecer. Posso dizer que advogados e magistrados estão percebendo que há coisas boas no Código.

A experiência que você trouxe do exterior na bagagem foi o que a convenceu a fazer parte da construção de um novo Código?

Teresa Arruda Alvim: Existe um ditado francês que diz: “A cultura é o que fica quando a gente esqueceu tudo o que estudou”. Na verdade eu não lembro com exatidão das coisas que estudei por lá, do que ajudou a construir o Código. Você estuda um pouco do processo civil italiano, um pouco do processo civil alemão e também de processos civis de países de língua inglesa, onde o Direito é completamente diferente do nosso. Você fica com uma visão boa do fenômeno como um todo. De certo modo isso habilita a resolver melhor os nossos problemas ao ter uma visão mais ampla do negócio.

De que forma o processo civil italiano, alemão e os de língua inglesa contribuíram para melhorar questões do Direito brasileiro?

Teresa Arruda Alvim: Houve algumas coisas que trouxemos do Direito comparado, por exemplo, a amplitude do contraditório, que nos aproximou do que hoje prevê o Código de Processo Civil italiano, que é a necessidade de um juiz sempre dar para as partes a oportunidade de se manifestarem mesmo que eles decidam sobre matéria de ordem pública. Este é um contraditório com um desenho bem italiano. A gente trouxe algumas fórmulas para lidar com processos repetitivos, que giram em torno da mesma questão de Direito, que são inspiradas parcialmente no Direito alemão e parcialmente no Direito inglês. Fizemos a versão brasileira, mas também houve a inspiração, porque são problemas que ocorrem em todos os países. Talvez em uma intensidade maior aqui, mas não são problemas só brasileiros.

Professora, qual a sua linha de estudos no Direito dentro do processo civil?

Teresa Arruda Alvim: Meu pai é processualista, então foi meio que uma coisa natural. Eu cresci ouvindo sobre o processo civil. Acabei indo estudar Direito contra a vontade de meu pai, que esperava que eu fizesse Medicina, pois dizia que Ciências Sociais era coisa do passado, que o futuro era o mundo da tecnologia, e por isso Medicina seria mais necessário. Mas você sabe que um exemplo vale mais do que mil palavras. Não adianta desestimular e ouvir o entusiasmo com que meus pais lidavam com isso, com que organizavam seus cursos (os dois são professores de processo civil); então isto acabou me contaminando muito mais do que o discurso que nega.

É possível afirmar que magistrados, advogados e demais membros da comunidade jurídica já conseguem aplicar o novo CPC corretamente e com clareza?

Teresa Arruda Alvim: Não. Vai levar um tempo. Estamos ainda naquela fase dos debates, de saber o que aquele dispositivo exatamente significa, de perceber que alguma coisa deveria ter sido incluída na lei e não foi. Acredito que este não deva ser tão longo como foi o período posterior ao lançamento do Código de 1973. Naquela época havia dois, três grandes simpósios por ano para tratar do assunto, enquanto hoje temos concomitantemente 15, 20 congressos no mesmo Estado, cursos de especialização, de atualização, enfim, hoje a coisa funciona mais rápido, fora que há a possibilidade de discussão via grupo de WhatsApp ou em grupos na internet. Pode ser que um dia os debates saturem o tema, mas por enquanto estas discussões são supernecessárias. Assim como vemos na AASP. Frequentemente vemos desembargadores, advogados, integrantes do Ministério Público e ministros falando do assunto. É interessante que tenhamos estas discussões com várias visões.

Quais as principais críticas que o novo Código recebeu da comunidade jurídica neste período?

Teresa Arruda Alvim: O novo CPC ficou grande e minucioso demais. Participei mais ativamente da construção do Código na época em que ele tramitava no Senado em 2009; depois ele foi para a Câmara e participei também, mas não com tanta intensidade, pois eu não era relatora da comissão, até porque na Câmara nunca houve um órgão oficial nomeado. Pessoas foram chegando, foram discutindo de uma forma muito democrática e com excelentes frutos. O que acabou acontecendo foi a participação de muita gente. O Código era para ter se tornado algo simples e acabou ficando cheio de detalhes, criando uma certa complexidade, enquanto que lá atrás pleiteávamos justamente sua simplicidade. O preço da democracia é este. Quer ouvir todo mundo? Tudo bem, mas vai acabar perdendo a unidade que havia em um primeiro momento.

No que as mudanças do novo Código impactam o jurisdicionado na prática?

Teresa Arruda Alvim: O Código tem potencialidade de gerar resultados que interferem muito rapidamente na vida das pessoas. A parte do Código que faz com que isto seja efetivamente possível são justamente os expedientes, as metodologias, estas estratégias de julgamentos das demandas repetitivas, porque isto acaba evitando que tenhamos desencontros jurisprudenciais. Há casos muito comuns no Brasil, o fulano tem uma ação e ela é julgada procedente; todo feliz, conta para o vizinho, que diz: “nossa, tenho uma ação idêntica e perdi em primeiro grau e perdi em segundo grau”. De repente isto aconteceu neste caso como acontece muitas vezes, o juiz que julgou a ação de um dos vizinhos achava que deveria decidir de um jeito enquanto outro magistrado achava que deveria decidir de outro jeito. O Código tenta na verdade unificar estas opiniões. Se a mesma tese jurídica for decidida de modos diferentes, se às mesmas perguntas jurídicas se derem respostas diferentes, ocorre um desrespeito ao princípio da igualdade e muita insegurança jurídica. O advogado vai ouvir de seu cliente: “Eu tenho direito?”; “Não sei, pois tal tribunal entende que sim, outro tribunal entende que não. Você é de Santa Catarina? Lá a tendência é de que você tenha direito, mas se você for ao STJ, tal ministro pensa assim, o outro pensa assado”. Então na verdade esta divergência de opiniões que existe entre membros do Poder Judiciário em todas as escalas é ruim para o jurisdicionado, que fica inseguro, e aos próprios juízes, porque é claro que, se fixar posição sobre determinado problema jurídico, a tendência é que se diminuam os recursos, que se diminuam o número de ações, ninguém mais vai querer tentar. Hoje em dia são poucos os pontos que podemos dizer com segurança ao cliente: “não vamos mover ação porque a jurisprudência irá pacificar e você não tem direito”. Fale isto para o cliente e ele vai embora. A gente entra no computador e está ali o acórdão exatamente no sentido que interessa o cliente. Não é bom para ele nem para a sociedade pela falta de estabilidade.

Trata-se de uma prática exclusivamente brasileira uma mesma tese jurídica ser decidida por visões diferentes?

Teresa Arruda Alvim: É um problema muito comum na América Latina. Os únicos países que estão mais ou menos livres deste tipo de “doença” são Chile e Costa Rica, por uma questão de cultura e porque a lei não faz milagres; pode ajudar, mas milagres ela não faz. Você não pode, por exemplo, impedir um juiz de mudar de opinião. Você pode até dizer que tal juiz tem que obedecer tal posição de um ministro do STF, que juízes de tribunais inferiores ficam vinculados a certa medida, certos pressupostos e jurisprudências dos tribunais superiores. Agora, se os tribunais superiores quiseram mudar de opinião a respeito do que estão decidindo, não pode haver uma lei que diga que se o juiz decidiu ele vai permanecer assim até morrer. Se isto não acontece naturalmente e culturalmente, nada mais dará certo. Não posso querer uma uniformização nem pregar a estabilidade, pois aqueles que deveriam dar o exemplo e manter uma jurisprudência estável que deve ser seguida são os que mais mudam de opinião. Neste sentido não há legislador que consiga fazer milagre. Por isso, se há países em que a coisa dá certo, é mais uma coisa cultural do que uma diferença substancial no sistema jurídico.

O que há por trás das polêmicas acerca da fundamentação das decisões judiciais?

Teresa Arruda Alvim: Na verdade, o que o legislador fez foi colocar no papel aquilo que nem precisaria ser colocado. Qualquer juiz que se preze e decide com capricho já redige a sentença assim. Então o que tem neste dispositivo que todo mundo critica? Uma coisa que o leigo pode facilmente entender. O dispositivo diz que é inaceitável a fundamentação básica, aquela que serve para qualquer ocasião. O que é esta decisão? É a decisão que tem por fundamento qualquer outra decisão. “Concedo a liminar porque estão presentes os seus pressupostos.” “Dou a sentença de procedência porque estão presentes os seus pressupostos. Só que não vou falar quais são.” ”Existe um dispositivo dizendo que não se aceita uma fundamentação que serviria para embasar qualquer outra decisão. Não é nenhum escândalo. O que é que tem mais? O juiz quando fundamenta uma decisão tem que levar em conta os argumentos que ele acolheu para embasar a conclusão e também aqueles da outra parte que ele não acolheu, mas quando acolhe, isso o leva a uma decisão diferente. Então ele irá dizer que achou bom os argumentos 1, 2 e 3, e a decisão é tal. “Os argumentos x, y e z eu não considerei, pois acho que não são bons por tais motivos.” Então ele tem que afastar. Se a outra parte contra quem irá ser julgada a ação trouxe aos autos uma série de elementos e fatos de direito para convencer o juiz do contrário e ele não ficou convencido, ele tem que explicar o porquê. Isto também está neste dispositivo. Este dispositivo na verdade não é um bicho de sete cabeças. É um dispositivo que nada mais faz do que dizer para o juiz como ele tem que agir, sob pena de a decisão ser considerada não fundamentada. Quer dizer, ter um parâmetro mínimo de qualidade de decisão. Se ela não tiver esta qualidade, logo, não está fundamentada.

Qual mensagem a professora poderia deixar para aqueles que lecionam Direito Processual Civil?

Teresa Arruda Alvim: Quem não gosta de ser professor, que não seja. Só se faz bem aquilo que você gosta de fazer. Particularmente acho que a vida é feita de partilhar. No fundo eu partilho porque eu gosto disto. Qualquer coisa que eu viesse a fazer na minha vida – pintora, desenhista, cantora, bióloga – eu teria esta atitude de partilhar. Eu gosto de doar, de estudar, de discutir, de checar as minhas opiniões e de aprender com pessoas.

Fonte: Entrevista originalmente publicada na edição 3059 do Boletim AASP.

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