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Artigo: Questão de honra

Publicado originalmente na edição nº 3044 do Boletim AASP – 2ª quinzena de agosto de 2017.

Por Flávia Hellmeister Clito Fornaciari Dórea

A profissão de advogado surgiu da necessidade de se fazer justiça. Santo Ivo, advogado francês do século XIII, filho e neto de nobres, que se desapegou de valores materiais para ser o advogado defensor dos fracos e necessitados, ensinou, em seu decálogo, que “nenhum advogado aceitará a defesa de casos injustos, porque são perniciosos à consciência e ao decoro” e que “o advogado deve amar a Justiça e a honradez tanto como as meninas dos olhos”.

Assim, a advocacia surgiu do trabalho de homens vocacionados, que emprestavam seu trabalho para servir à verdade. Tal mister só poderia ser exercido por homens honrados e de boa reputação, que não buscavam na profissão a fortuna, mas, acima de tudo, a realização da justiça. Da origem da profissão vem a origem do conceito dos honorários.

O advogado não recebe salário, mas honorários, retribuição por um honrado serviço. Por muitos séculos, a atuação do advogado com base na moral, na lei, na ética e na nobreza de caráter propagada por Santo Ivo bastava para resolver os problemas dos cidadãos de bem.

E essa profissão, merecedora de honra, tinha sua remuneração honrada, equivalente à dignidade que representava. Todavia, as relações humanas intensificaram-se, tornando mais complexos os direitos individuais.

Os direitos de uma classe de indivíduos começaram a contrapor-se aos de outras classes, exigindo interpretação de leis e cuidado ainda maior do advogado, que continua a buscar a solução jurídica mais correta para seu cliente, até porque, repetindo Santo Ivo, o advogado “não deve poupar trabalho nem tempo para obter a vitória do caso de que se tenha encarregado”.

Com isso, a profissão do advogado tornou-se mais complexa e exigiu ainda mais estudo, mais trabalho para lutar diariamente contra abusos de poder, contra ilegalidades, contra burocracias, buscando efetivar a vislumbrada justiça.

No entanto, os honorários, atualmente, muitas vezes não refletem essa situação. Decisões fazem parecer que os advogados não merecem ser recompensados por seu trabalho.

Diuturnamente, os advogados veem seus honorários serem discutidos como se representassem apenas uma honra simbólica pelo serviço prestado, como se o sucesso numa causa não decorresse de anos de trabalho, de anos de estudo, de anos de investimento financeiro do advogado.

Preocupado o legislador com a falta de honradez na retribuição do trabalho do advogado, o novo Código de Processo Civil trouxe 20 preceitos sobre os honorários, reafirmando o direito dos advogados, estabelecendo regras, limites e parâmetros para sua fixação.

Mas nem a força da lei tem sido suficiente para encerrar a discussão, pois o grau de zelo, o lugar de atuação, a importância da causa, o tempo e o trabalho realizado pelo advogado são frequentemente ignorados.

A lei processual reduziu as hipóteses de fixação de honorários por equidade, mas muitos julgadores insistem em afirmá-la, ainda que contra legem, esquecendo-se que o conceito de equidade atrela-se ao de justiça.

Os advogados devem continuar a lutar, seguindo as lições do padroeiro, para mostrar a honradez de sua profissão, buscando e amando a justiça, com responsabilidade e ética, mas também lutar para que esse trabalho seja remunerado de forma digna, afinal “honorários não são gorjeta”.

Flávia Hellmeister Clito Fornaciari Dórea é mestre e doutora em Direito Processual. Desde 2015, é conselheira na Associação dos Advogados de São Paulo (AASP), reeleita para o triênio 2018/2020.

*O artigo é de responsabilidade do autor e não reflete necessariamente a posição da entidade.

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