AASP logo
AASP logo

Notícias

Brasil deixa de captar recursos com restrições sobre aquisição de terras por estrangeiros

Estima-se que cerca de R$ 150 bilhões deixaram de entrar no Brasil desde 2010.

A aquisição de terras por estrangeiros no Brasil é regulamentada há quase meio século. A Lei nº 5.709, de 1971, rege a aquisição de imóveis rurais tanto por estrangeiros residentes no Brasil quanto por pessoas jurídicas estrangeiras autorizadas a funcionar no país. A lei prevê algumas restrições para que estrangeiros adquiram áreas, como limitações territoriais e necessidade de aprovação prévia da Administração Pública brasileira.

Passados alguns anos de sua promulgação, o tema foi novamente abordado pela Constituição Federal, em 1988, e pela Emenda Constitucional nº 6, de 1995. Para comentar as consequências de decisões recentes para a economia brasileira, o Núcleo de Comunicação da AASP conversou com o advogado, mestre em Economia e Política Florestal, Marcelo Schmid, durante evento realizado na sede da entidade, que, dentre outras coisas, falou a respeito das limitações da Lei nº 5.709, de 1971, dos recentes pareceres da AGU, das soluções para o investimento de fora e projetos em trâmite.

Acompanhe:

Lei n° 5.709/1971: aspectos

Marcelo Schmid: A lei é um retrato daquilo que presumimos ser a crença da sociedade em determinado momento. Se a sociedade crê que o correto é usar vermelho, temos que ter uma lei que normatize o uso legal do vermelho. Talvez um dia esta visão da sociedade mude e a lei vai ter que refletir a respeito. A sociedade em geral tem uma visão errônea de que a lei é que dita o nosso rumo. É o contrário: a sociedade é que dita o rumo da lei.

A lei que hoje rege a aquisição de imóveis por estrangeiros é de 1971.  Neste ano, a gente vivia o governo Médici, uma época de ditadura, uma realidade econômica totalmente diferente. Em termos de investimento, tínhamos um Brasil tentando progredir da forma que era possível.  Muita coisa aconteceu desde então, tanto em termos globais, quanto em termos locais. O próprio investimento hoje não é mais um investimento.

Outros países e investidores não trabalham apenas com a perspectiva nacional. Eles investem no mundo inteiro, e a gente tem que saber distinguir as restrições, e seus problemas, dos benefícios. Simplesmente restringir, como muitas pessoas defendem, faz com que abramos mão de uma série de benefícios. Falo de bilhões de dólares de investimento, que poderiam vir para o Brasil, e que deixaram de vir nos últimos anos graças à última interpretação da lei pela Advocacia-Geral da União (AGU), que a tirou da tumba e reviveu algo que ninguém mais considerava.

Dr, Marcelo Schmid

Pareceres constitucionais

Marcelo Schmid:  Entre 1994 e 2010, a AGU emitiu quatro pareceres dando seu entendimento sobre o tema. Embora os três primeiros pareceres tenham sido, de forma geral, favoráveis à aquisição de imóveis rurais por estrangeiros, o quarto parecer, emitido em 2010, entendeu que as restrições da Lei nº 5.709, de 1997, deveriam ser aplicadas às empresas brasileiras com capital social majoritariamente estrangeiro.

Tal interpretação teve consequências bastante severas à atração de investimento estrangeiro para o agronegócio brasileiro e, consequentemente, para o desenvolvimento econômico brasileiro, uma vez que dezenas de bilhões de reais deixaram de ser investidos no Brasil. Diante da possível mudança no governo federal, espera-se que os projetos de lei que tratam sobre o tema (e que revogaram o disposto na Lei nº 5.709) sejam levados à votação pelo Congresso Nacional, modificando as regras para o investimento estrangeiro e criando um clima mais propício para a atração de investimentos para o agronegócio nacional.

Lembra-se que, vindo antes da Constituição, ela não foi recepcionada. E a gente teve ai outro momento político, né? Em 2010 o art. 1°, tornou- se novamente válido, causando esta restrição que se estima em R$ 150 bilhões que deixaram de entrar no Brasil desde 2010. No setor florestal, o valor de perda chega a R$ 50 bilhões. Por que eu tenho certeza? Porque sabemos exatamente quais empresas estão circulando no país e o que deixou de acontecer nestes anos. Mais do que benéfica, a flexibilização da legislação seria a luz no fim do túnel para vários segmentos econômicos brasileiros, sobretudo o florestal.

Investidores maleáveis

Marcelo Schmid: As empresas de capital estrangeiro estão sujeitas a níveis diferenciados de risco. Algumas delas aceitam trabalhar com um risco maior e outras não aceitam trabalhar com tanto risco. As que aceitam, criaram soluções para driblar, legalmente, a restrição e continuar o trâmite. Outras preferem esperar por uma maior segurança jurídica para terem plena certeza na hora de adquirir um artigo no Brasil. Por exemplo, as empresas não compram terra, elas compram a produção que está em cima desta terra. No setor florestal isto é muito comum. As empresas compram as suas árvores por lotações, quer dizer que praticamente elas compraram a terra, mas não compraram.

Este investidor associa-se a uma empresa brasileira, que vai ter que ser majoritária, e isso é bem difícil para a grande maioria dos investimentos internacionais, afinal, eles estão trazendo o dinheiro para cá e querem ter a maioria deste capital e as rédeas das decisões. Mas a solução mais comum é esta associação com parceiros locais, sendo a empresa estrangeira minoritária – menos de 48%, para ser mais claro. O grande problema talvez seja a segurança jurídica desta restrição. Por mais que existam meios, o investidor sempre fica com a pulga atrás da orelha. Será que amanhã nós não vamos ter uma interpretação ainda mais restritiva? Será que não teremos uma surpresa negativa? Por isso, o que nós precisamos realmente é de uma lei.

Projeto atual

Marcelo Schmid: O Congresso trabalha atualmente para revogação total dos dispositivos de 1971 e uma nova legislação. Existe um projeto de lei que já está em tramitação. O mais avançado deles está em tramitação há dois anos e meio, e no começo do ano ele quase se tornou uma medida provisória; sabiamente os deputados a seguraram para que tivéssemos um instrumento que trouxesse mais segurança jurídica. Infelizmente no Brasil a gente legisla com medida provisória, mas a segurança jurídica é bem diferente quando está presente dentro de uma lei.

O projeto em tramitação já mudou bastante ao longo destes dois anos. No início do ano, até março, estabeleceu-se um teto de 100 mil hectares por empresa. A empresa poderia comprar 100 mil hectares e arrendar outros 100. Recentemente, foi estabelecida uma nova versão que acabou com este teto, pois alguns setores da sociedade começaram a questioná-lo. A ideia agora é deixar sem um limite específico, mas criando algumas restrições que estão na lei, por exemplo, relacionando a aquisição dos fundos soberanos, que é aquele fundo nacional que não se pode adquirir e que poderia até caracterizar uma perda de soberania.

Obviamente estas empresas que pretendem se instalar aqui precisam e devem estar sujeitas a todas as demais restrições que recaem sobre as empresas brasileiras, que são as questões ambientais, fundiárias e trabalhistas. Este que é o grande X da questão; se toda a lei for cumprida, não tem problema. Porém, as pessoas começam a comentar: “Mas como fica a biopirataria? Como fica a soberania? Como fica a questão ambiental?” Nós temos meios para resolver todos estes processos, mas apenas se estas leis forem levadas a cabo.

Fonte: Núcleo de Comunicação AASP

 

 

 

Leia também: